David Nasser foi um jornalista raivoso de extrema-direita da década de 60, liderança do grupo de extermínio Scuderie Le Coq (Esquadrão da Morte) e que era uma espécie de carro chefe da cadeia dos Diários Associados, que era um conglomerado jornalístico gigante, que contemplava impressos, o rádio e a televisão (escrevia o artigo principal do O Cruzeiro, de 700 mil exemplares; a cadeia tinha 31 jornais, cinco revistas, 21 emissoras de rádio, três de televisão e uma agência de notícias). Um representante sessentista de muita porcaria que existe atualmente, num monopólio que lembra os de hoje – e ainda hoje é “referência” no jornalismo, até porque ainda por cima era premiado como “grande e bravo jornalista”. Um do seus alvos favoritos era o líder nacionalista de esquerda, Leonel Brizola.

Nasser durante anos conduziu uma longa e sórdida campanha de difamação contra Brizola, reproduzindo acusações falsas de corrupção e de tudo que se possa imaginar, passando também para a ofensa direta (“potro dos pampas”, “analfabeto vitalício”). Nasser usava seu espaço especial para atacar direta e implacavelmente Brizola, que até chegou a eventualmente intima-lo na justiça depois de alguns anos de resistência, o que não cessou os ataques. O jornalista chegou a desafiar publicamente Brizola pra sair no braço várias vezes, como num artigo de 29 de junho de 1963:

“Existe em Porto Alegre um prato que todos conhecem: churrasco à Brizola, isto é, muita farofa e pouco peito. Ora essa, Pangaré, você sabe onde ando, onde trabalho, onde moro. Porque não vem ajustar contas? Porque é um covarde.”

Na manhã de 26 de dezembro de 1963, após o natal, veio o tal do acerto de contas. Brizola, que tinha 1m70cm, corpo forte e troncudo, além de fama de coragem física, se deparou com Nasser no Aeroporto Santos Dumont, a quem disse imediatamente:

– Prepara-te pra apanhar!

Ao mesmo tempo, Brizola desferiu um soco no ouvido e outro no queixo até nocautear o detrator, que ainda cambaleando ouviu que “Da próxima vez, terás que engolir o artigo inteiro!”.

O jovem Brizola

Não é difícil supor que Brizola foi posteriormente retratado como um bárbaro. Toda a mídia tomou partido de Nasser. Mesmo assim, a opinião pública se posicionou ao lado de Brizola; popularmente só se falava da sova levada pelo jornalista e as respostas de Nasser só tiveram repercussão em meios conservadores. De certa forma, as bofetadas de Brizola também atingiram o poder de persuasão do jornalista. Brizola no futuro diria estar arrependido, talvez por sua natureza geralmente afável, alegando que se envergonha do que fez com Danton Coelho* e David Nasser, e que até estenderia a mão em desculpas, isso em confissão a um outro adversário, Rafael Almeida Magalhães, em ’79 no Tribuna de Imprensa, dois anos antes da morte de Nasser que agonizava no câncer.

*Brizola brigou com Danton Coelho, do PTB de SP, por “entregar” o partido a Adhemar de Barros. Em meio a troca de impropérios, Brizola avançou rapidamente na direção de Danton Coelho, que levou a mão ao coldre de pistola. Foram separados por outros políticos e jornalistas. Brizola não estava armada. 

Essa anedota não é só uma demonstração da destreza física de Brizola, de um caso de um falador recebendo uma lição ou um inválido moral sofrendo o que merece. Essa anedota é para nos lembrar de certas criaturas que habitam a mídia brasileira e a cultura de direita que floresce a partir da mesma – um tipo torto de direita, dedicada a política do tosco e a escrotização da política, uma excrecência ideológica de facínoras de classe média, mas  ligada aos elementos mais entreguistas e mais criminosos da política brasileira. No Brasil, hidrófobos como Nasser transmitem sua doença ao espumar nas páginas de revistas e canais de televisão, criando uma forma de movimento político pouco refinado, mas energizado por ideias direitistas mal concebidas. Esses articulistas de direita são, em certo sentido, os maiores demagogos populistas do Brasil, pois procuram inflamar as massas com um discurso raivoso, emocional, simplista. Eles criaram a impressão em seus seguidores de que bravado, ataques histéricos e xingamentos são sinônimos de intelectualidade –  daí temos toda uma cultura de direita que pratica uma afetação de inteligência repetindo esse métodos. É um quase um costume geral pensar que falar merda é sinônimo de falar bonito. Não lendo nada ou somente literatura de baixíssima qualidade (Leandro Narloch, “História Politicamente Incorreta”), o seu repertório se reduz a truísmos, ofensas de baixo calão e desqualificações pessoais – o debate se vence xingando o outro.

A Internet está repleta desses miseráveis. Me recordo que uma vez brotou um “católico tradicionalista” do Rio de Janeiro me atacando por causa das minhas posições sobre a Ucrânia, mas não discutia a Ucrânia, só dizia que eu era um merda e que isso e aquilo. Este mesmo apareceu depois exposto numa página de humor dando em cima de um adolescente – pedindo fotos e demonstrado um certo fetiche por pés (“Já tirou o tênis? Meninão, tem que ficar descalço mesmo”). A própria realidade parece fazer justiça, às vezes.

Frente a uma imprensa que é dada à mentira, chegada à falsidade e que difunde o ódio para fabricar zumbis políticos, frente aos zumbis que servem de massa de manobra para articulistas demagogos, nós devemos nos posicionar com firmeza e nocauteá-la com os golpes aonde for necessário, em seus pontos fracos – um soco no ouvido, outro no queixo.

É realmente um cenário desconsolador, mas essa anedota demonstra precisamente que podemos nos consolar, pois aqueles que difundem o barbarismo também haverão de sofrer a barbárie – há de endurecer-se.

A história da briga foi retirada do livro “El Caudillo – LEONEL BRIZOLA – um perfil biográfico” de FC Leite Filho. Comprando no link você colabora com nosso blog.

BRIZOLA

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