Me referi algumas vezes ao interesse norte-americano de conter o crescimento da Rússia, além de manter um olho nos recursos naturais da Ásia Central, como descreve Moniz Bandeira em sua obra “A Segunda Guerra Fria” . Os Estados Unidos mantém um pessoal militar de 100 mil pessoas na região, militarizando rotas de transporte energético. A questão energética nos leva a uma das principais razões para o atlantismo buscar conter a Rússia e desestabilizar Nessa postagem, vamos pensar em como a Rússia atual está desempenhando um papel de potência energética, ou “super potência energética” nas palavras de Marshall I. Goldman, autor do livro “Petrostate: Putin, Power and the New Russia”, que descreve o papel crucial dos recursos energéticos no poder da Rússia atual. Esses recursos fornecem um peso a mais a Rússia em questões internacionais, como foi com a antiga União Soviética. Os gigantes energéticos, o maior de todos a Gazprom, também desempenham um papel fundamental na formação e no caráter da sociedade russa.

A Europa e os Estados Unidos querem conter uma Rússia que se destaca na arena internacional, mas sobretudo querem conter uma Rússia cujo potencial energético coloca esses países em uma complicada situação.

“Medindo pelo valor das ações da empresa, até ao Verão de 2006, a Gazprom, esta uma sociedade anônima dominada pelo Estado (até 1992 era, na verdade, o Ministério da Indústria do Gás Soviética), era a terceira maior empresa do mundo. As únicas empresas de ações maiores eram a Exxon-Mobil e General Electric.

Com um toque de um botão, despachantes sentados nesta sala de Moscou poderiam congelar – e de fato já o fizeram – países inteiros. No mínimo do mínimo, eles poderiam enviar jogar os cidadãos no pânico em busca de cachecóis e cobertores. Que sentimento de poder! Caso decidam, esses funcionários Gazprom não só poderiam cortar o gás natural que alimenta os fornos e fogões de 40% dos lares da Alemanha, mas também o gás natural que muitas fábricas alemãs precisam para manufatura de uma gama de produtos, de fertilizantes de amônia à plásticos. Enquanto a Alemanha adquire mais gás natural da Rússia do que qualquer outro país na Europa, toda a Europa Ocidental é também ligada direta ou indiretamente ao gasoduto da Gazprom. No caso extremo, os estados bálticos e a Finlândia importam 100% do seu gás natural da Rússia.”(Marshall I. Goldman em “Petrostate: Putin, Power and the New Russia”, Oxford University Press, 2008,  pg. 2)

“Aqui, então, na minha frente o cérebro central da distribuição de gás natural para praticamente todo o continente europeu. Eu não conseguiria pensar em nada comparável na Europa, onde uma mercadoria tão essencial pode ser controlada por um país, e mais do que isso,  por uma empresa.

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A Rússia não hesitou no passado em cortar o fluxo de petróleo ou gás para reforçar o seu lado em uma disputa política, uma prática herdada de seus antepassados no Ministério da Indústria de Gás e do Ministério da Indústria do Petróleo da União Soviética. Os europeus estão percebendo o quão dependente da Rússia tornaram-se a cada ano que eles dependem cada vez mais de importações de gás natural.

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Mas não é só a Europa que se encontra a cada dia mais e mais dependente das exportações de energia da Rússia. Embora os Estados Unidos seja separado da Rússia por oceanos, também está começando a importar e consumir mais energia russa. Assim como na Europa, os Estados Unidos estão tentando reduzir sua dependência excessiva das importações de energia do Oriente Médio. Como parte desta diversificação, em 2005, os Estados Unidos importaram aproximadamente US $ 8 bilhões em petróleo russo. Em 2006, houve um salto de 25% para US $ 10 bilhões. É verdade que  isso representou apenas 3% de nossas importações petrolíferas – pequeno, mas  o aumento em relação aos 2,2% de 2004 é um indício de que estamos propensos a aumentar as importações no futuro. Mais do que isso, em 2000, a Lukoil, uma das maiores empresas privadas de petróleo da Rússia, adquiriu cerca de 3.000 postos de abastecimento nos Estados Unidos da Getty Oil e da Mobil, agora está ocupada convertendo-os em pontos de venda Lukoil. É também de se notar que em 2006, a Rússia tornou-se o maior produtor mundial de petróleo, ultrapassando a Arábia Saudita.

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Igualmente incomum, embora não existam gasodutos que ligam os Estados Unidos com a Rússia, a Gazprom também está começando a exportar GNL (gás natural liquefeito) para os Estados Unidos. Por enquanto, porque Gazprom ainda não tem a tecnologia para produzir GNL no seu próprio país, é um acordo de swap. Essas remessas, sob o rótulo Gazprom realmente se originam na Argélia (em troca, a Gazprom fornece gás para alguns clientes da Argélia na Europa através de suas tubulações).

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Dado que os Estados Unidos grandes reservas de gás natural em seu próprio território e suplementos da produção interna com as importações por oleoduto do Canadá, é improvável que os Estados Unidos se tornw tão em dívida com a Rússia no setor energético como a Alemanha ou a Áustria se tornaram  No entanto, a emergência da Rússia como uma superpotência energética terá um impacto de longo prazo dos EUA e na diplomacia mundial se por nenhuma outra razão além dessas que nossos aliados europeus vão começar a pensar duas vezes antes de dizer “não” para a Rússia.” (IBID, pgs. 2-7)

“…durante um frio janeiro de 2006, a Gazprom tinha restringido o seu fluxo de gás para a Ucrânia, que por sua vez reduziu o fluxo para o resto da Europa Ocidental (…). Ostensivamente, a Gazprom justificava a queda nas exportações de gás para a Ucrânia, bem como para Geórgia e para a Moldávia, explicando que fez isso porque todos os três se recusaram a pagar o preço de mercado europeu. Mas uma vez que outros clientes russos, especialmente Belarus e Armênia, na época, também estavam pagando preços abaixo do mercado europeu, foi amplamente aceito que a Rússia estava usando seu gás mais como uma arma política que uma arma econômica.

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Até agora a Gazprom também determina o destino de outros três grandes exportadores de gás natural. Para sua consternação, se eles querem vender gás natural para a Europa, os produtores de gás da Ásia Central, como o Turquemenistão, Cazaquistão e Uzbequistão não têm outra alternativa senão enviá-lo através do gasoduto da Gazprom. Este é um legado da era soviética quando era lógico consolidar carregamentos de gás produzido nas repúblicas soviéticas através de um único sistema de transporte. Afinal, qual era o problema do gás produzido no Uzbequistão transitasse pela Rússia? Ambos eram parte da União Soviética. Mas quando a União Soviética caiu em 1991, a Grazprom  ficou com a maior parte do gasoduto, e os países recém-independentes da Ásia Central, que antes eram membros da URSS, não tinham a própria via de fornecimento para o ocidente. Como resultado, este controle monopolista  pós-1991 dos gasodutos permite a Gazprom manter baixo os preços que paga para os produtores centro-asiáticos pelo o seu gás. Em 2006, por exemplo, a Gazprom pagou menos de $50 por 1000 m³ enquanto vendia esse mesmo gás para os europeus a $230 por 1000 m³.

Trabalhando com oficiais do governo e do setor de energia da Ásia Central, alguns países europeus e os Estados Unidos têm procurado quebrar esse monopólio, propondo suporte para um gasoduto que seria construído sob o Mar Cáspio ligaria a Ásia Central ao Azerbaijão. Haveria um oleoduto paralelo um oleoduto que iria para a Geórgia e Turquia. Para ser chamado NABUCCO, este gasoduto seguiria pela Bulgária, Roménia, Hungria, e, eventualmente, chegaria a Europa Ocidental.”

A Rússia era completamente excluída do NABUCCO e formulou uma contraproposta que fosse mais vantajosa para seus vizinhos, especialmente para a Hungria que foi chave nesse conflito de interesses (os russos ofereceram a posição de distribuidor central para a Europa Ocidental à Hungria – agora com o problema na Ucrânia a posição húngara em relação aos russos se fortalece e vemos que de fato a Hungria pende mais para o lado russo, assim como um país não tão russófilo como a Polônia).

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