Não é incomum certos intelectuais e comentadores atribuírem processos revolucionários ou semi-revolucionários (movimentos de contestação e rebeliões em geral) a um processo que chamam de degradação de status. O processo de degradação de status consistiria em fenômenos como:

– Famílias aristocráticas pobres ou decadentes querendo retomar uma posição digna de seu nome.

– A ampliação de camadas mais baixas da aristocracia que se veem desprovidas de status, posição.

– O bloqueio do acesso ao poder político a grupos da classe alta.

– O bloqueio de ascensão social para as classes médias.

– A falta de cargos públicos para satisfazer determinado grupo.

A ideia tem alguma dose de razão. Esta realmente pode constituir um impulsor pessoal para a subversão e nos vem a mente alguns exemplos como as rebeliões criollas pela independência na América Latina ou nobres populistas da Roma antiga (os Graco ou Júlio César). No entanto, ela tem alguma fragilidade, limitações: está longe de ser causa suficiente ou causa primeira no desencadeamento de um processo revolucionário – tão pouco os “descontentes” conseguem constituir uma base ampla para o processo (os nobres romanos que mobilizaram as massas, por mais que suas famílias pudessem ser pobres ou secundárias, precisavam de antes de tudo destas massas para mobilizar e contradições/demandas para responder). O “conceito” é superficial e é muito fácil impô-lo a realidade com alguns poucos exemplos. Alan Knight trata deste problema ao abordar a Revolução Mexicana, mais especialmente as forças políticas que faziam oposição ao regime de Porfírio Díaz. Neste caso, a “teoria” da degradação de status não é mais que uma tentativa parcial de impor um modelo ideal-lógico a realidade. Alan Knight discute precisamente com Cockcroft.

“A degradação do status, tal como usa Cockcroft, é um conceito notoriamente vago; as vezes assume as características proteicas da “privação relativa”, essa outra chave mestra da etiologia revolucionária. [Aqui Knight se refere com ironia a Ted Robert Gurr, autor de “Why Men Rebel”, como principal expoente] A “degradação do status” (quando não se usa só como um termo alternativo para “pobreza”) implica certa incongruência entre as expectativas sociais e as retribuições, o que traz uma `frustração social e uma perda de status’. Pode aplicar-se a indivíduos que, a parte da sua má situação, são forçados a aceitar “distantes postos clericais”, trabalhos como “adjuntos sem nome” em companhias estrangeiras, ou empregos insignificantes parecidos;  esta é, por suposto, uma das explicações mais comuns para o mal estar da classe média nos países em vias de desenvolvimento, popularizadas sobre tudo por Edward Shils (The Intellectual and the Powers and Other Essays, Chicago 1972). O conceito também pode aplicar-se a indivíduos que “havendo logrado um certo grau de progresso econômico, são rechaçados na obtenção de um status superior que sentem merecer” (Cockcroft, Intellectual Precursors, p. 44). Na medida em que esse status desejado é político – isto é, na medida que os maderistas eram uma classe em ascensão que buscava o poder político através das urnas -, a análise é correta em termos gerais; entretanto, não resulta muito congruente confundir o assunto falando de uma “degradação de status”. Marx, depois de tudo, em sua análise da burguesia ascendente europeia, não se debruçou com semelhantes conceitos supérfluos e teoricamente anômalos. Por outro lado, nos quedamos com a proposição de que tanto a gente que vá em ascenso como aquela que descende são “degradados em seu status” e, por essa razão, tendem à política de oposição. Entretanto, em qualquer sociedade que não se encontre definida pelas barreiras de casta e, particularmente em uma sociedade como a do México porfirista, sujeita a rápida comercialização, uma grande parte da população cairia em uma ou outra categoria. Daí que não seria difícil tomar uma reduzida amostra de opositores e notar que pertencem tanto a classes ascendentes como descendentes e, portanto, desafetas. Um exercício seletivo similar poderia ser feito entre os porfiristas e provar o contrário. Como assinala outra autoridade digna de consideração, a vida social é tão complexa que “sempre é possível selecionar qualquer número de exemplos ou de informação separada para comprovar a proposição que se deseja” (Lenin, citado em V. G. Kiernan, Marxism and Imperialism, Londres, 1974 p. 38). É possível eleger exemplos; generalizações contraditórias podem trocar-se a favor ou contra. “México não sofre de uma crise de intelectualismo”, conclui um observador francês; “todo mexicano bem educado pode encontrar uma boa posição e uma forma de vida acomodada”(De Szyslo, Dix milles kilomètres, pg 31). Na ausência de qualquer informação quantitativa e sólida sobre o desemprego, o descenso ou a frustração da classe média, o único recurso possível é a consideração de casos individuais – um método primitivo porém inevitável. ” KNIGHT, Alan em “La Revolucion Mexicana”. Editora Fondo de Cultura Economica, México, 2010. pgs.

Knight prossegue dizendo que Cockroft se apoia em dois personagens, Luis Cabrera e Félix Palavicini. No entanto, Knight questiona a afirmação de que a carreira de Cabrera estaria bloqueada. Nas vésperas da Revolução Cabrera prestava serviços de advogado a uma grande empresa angloamericana, Tlahualilo, que estava numa disputa com o Ministério do Fomento pelas águas do rio Nazas. É relevante correlacionar sua vida privada com sua  vida pública já que esse caso da Tlahualilo foi grande e destacado, com Cabrera enfrentando os advogados do Ministerio que era ativos políticos de convicções conservadoras, Jorge Vera Estañol e Manuel Calero. A empresa era tão famigerada que o próprio Francisco I. Madero, líder da Revolução Mexicana, enfrentou uma grande demanda contra ela representando donos de plantações do rio baixo em La Laguna. Depois da eleições de 1910 Cabrera inclusive abandonou a oposição e se retirou para a vida privada.  Já o caso de Palavicini, a ideia da degradação seria reforçada por sua autobiografia – Palavicini se juntou ao maderismo depois do Ministério da Educação ter suspendido uma beca que ele tinha para investigar o campo da educação industrial. Mas isso não o tornou um “proletário intelectual”. Era de uma grande família tabasquenha, era engenheiro e inclusive passou dois anos na Europa às custas do governo em 1908, representando o México no Congresso Internacional de Geografia de Genebra. Tanto Cabrera como Palavicini tinham um bem-estar mais do que razoável no período Díaz, com ambos possuindo algum tipo de antecedente político. Cabrera era sobrinho de um satirista opositor veterano Daniel Cabrera e Palavicini se interessou por política desde muito cedo, iniciando um jornal de oposição em Tabasco quando tinha 20 anos de idade.

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