Escudo francês que representa bem a unidade corporativa somada a potestade soberana que caracteriza o Estado descrita por Malberg.

Nota-se que esses fragmentos são só o “ponto de partida” e um pedaço ínfimo de uma discussão que ocupa mais de 1200 páginas.

Os fragmentos em alguns momentos foram “reduzidos”, sendo que são retirados da obra “Teoria Geral do Estado” do citado autor, publicada em 1920, sendo esta publicação em espanhol, pela Editora Fondo de Cultura Economica em parceria com a Faculdade de Direito da UNAM, México, no ano de 2001 (pgs. 21-28)

Elementos constitutivos do Estado – fragmentos de Carré de Malberg

Em cada Estado se encontra desde logo um certo número de homens. Esse número pode ser mais ou menos considerável: basta que eles tenham conseguido, de fato, formar um corpo político autônomo, quer dizer, distinto dos grupos estatais vizinhos. Um Estado é, portanto, antes de tudo, uma comunidade humana. O Estado é uma forma de agrupamento social. O que caracteriza essa classe de comunidade é que se trata de uma coletividade pública que sobrepõe a todas agrupações particulares de ordem doméstica ou de interesse privado ou inclusive de interesse público local que possam existir entre seus membros.  Ainda em que sua origem os indivíduos não vivem mais que em pequenos grupos sociais, família, tribo, gens, isolados uns dos outros, mesmo que coexistindo no mesmo solo, sem conhecer cada qual senão seus interesses particulares, as comunidades estatais se formaram englobando todos os indivíduos que povoavam um determinado território formando uma corporação única, formada sobre a base do interesse geral e comum que une entre si, apesar de todas as diferenças que os separam, aos homens que vivem juntos no mesmo país: corporação esta superior e geral, que constituí desde então um povo, uma nação. A nação é, pois, o conjunto de homens e populações que formam um Estado e que são a substância humana de um Estado*. No que se refere a esses homens considerados individualmente, levam o nome de nacionais ou também cidadãos, no sentido romano da palavra civis, termo que designa precisamente o vínculo social que, por cima de todas suas relações particulares e seus agrupamentos parciais, reúne a todos os membros da nação em um corpo único de sociedade pública.

* (….)no seu sentido jurídico exato, tal como resulta do sistema positivo do direito público francês e especialmente no sistema da soberania nacional, a palavra “nação” denomina não uma massa amorfa de indivíduos senão a coletividade organizada dos nacionais, enquanto esta coletividade se faz constituída pelo mesmo ato de sua organização em uma unidade indivisível. Neste sentido jurídico, a nação não é somente um dos elementos constitutivos do Estado, senão que é, por excelência, o elemento constitutivo do Estado enquanto se identifica com ele.

[Carré não pode deixar de soar como um francês ao conceituar nação como ele faz]

O segundo elemento constitutivo do Estado é o território. (…) uma relação de vínculação nacional não pode adquirir consistência mais que entre homens que estão em contato por sua convivência permanente sobre um ou mais territórios comuns. Esse território é um dos elementos que permite que a nação realize sua unidade. Porém, ademais, uma comunidade nacional não é apta para formar m Estado senão enquanto possui um solo, uma superfície de terra sobre a qual possa afirmar-se como dona de si mesma e independente, quer dizer, sobre a qual possa, ao mesmo tempo, impor sua própria potestade e rechaçar a intervenção de uma potestade alheia. O Estado necessita de maneria imprescindivelmente possuir um território próprio, porque esta é a condição essencial da potestade estatal. Se, por exemplo, o Estado tem alguma potestade sobre aqueles de seus cidadãos que vão ao estrangeiro, isto é unicamente na medida em que lhe é possível aplicar-lhes sobre seu próprio território a sanção das prescrições que pretende impor a eles enquanto se encontram fora dele. Entretanto, dentro de seu território, a potestade do Estado se estende a todos os indivíduos, tanto nacionais como estrangeiros.

(….) a relação jurídica que se estabelece entre o Estado e seu território não consiste num direito de dominium, senão realmente de imperium: o Estado não tem sobre seu solo uma propriedade, senão unicamente uma potestade de dominação a qual se dá habitualmente, na terminologia francesa, o nome de soberania territorial.  (…) Uma primeira doutrina admite que o território é para o Estado objeto de um direito especial de soberania, de modo que haveria na potestade estatal dois poderes distintos: um que alcançaria as pessoas e outro que recairia especialmente sobre o território, formando assim uma espécie de potestade real, ou seja comparável a um direito realdo Estado sobre o solo nacional [Malberg cita aqui Laband como exemplo, “Droit Public de l’Empire Allemand]. Parece mais exato admitir, de acordo com um segundo critério, que o território concebido em si mesmo não é de nenhum modo objeto de dominação para o Estado, senão que sua extensão determina simplesmente o marco dentro do qual pode exercer a potestade estatal ou imperium, o qual não é, por natureza,senão um poder sobre as pessoas. (…) A territorialidade não é uma parte especial do conteúdo da potestade estatal, senão unicamente uma condição e uma qualidade dessa potestade. [Malberg aqui se refere a Michoud, Duguit, Jellinek e G. Meyer]*

*A relação entre um Estado e seu território de nenhum modo pode ser concebida como uma relação entre sujeito e objeto. O território não é um objeto situado fora da persona jurídica do Estado e sobre a qual essa pessoa possua um poder mais ou menos comparável aos direitos que podem corresponder a uma pessoa privada sobre os bens dependentes de seu patrimônio, senão que é um elemento constitutivo do Estado, um elemento do seu ser não de seu haver, um elemento, pois, de sua própria personalidade e neste sentido aparece como parte integrante da persona Estado, sem o qual não poderia conceber-se. Sem dúvida, o patrimônio dos indivíduos é, em certos aspectos, a prolongação de sua personalidade, ataques aos bens compreendidos nesse patrimônio constituem ataques a própria pessoa do proprietário. No entanto, a existência de um patrimônio efetivo não é condição da personalidade do indivíduo: este seguirá sendo sujeito jurídico mesmo quando sem patrimônio. Na ausência de seu território um Estado não pode formar-se, e a perda de seu território supõe sua extinção.

(….) a esfera da potestade do Estado coincide com o espaço sobre o qual se estendem seus meios de dominação.

(…)

Finalmente, e acima de tudo, o que constitui um Estado é o estabelecimento, no seio da nação, de uma potestade pública que se exerce autoritariamente sobre todos os indivíduos que formam parte do grupo nacional. (…) a potestade pública deve sua existência, precisamente, a uma determinada organização do corpo nacional, organização pela qual, no primeiro termo, se encontra realizada de modo definitivo a unidade nacional e cujo fim essencial é também cria na nação uma vontade capaz de tomar por conta daquela todas as decisões que necessita a gestão de seus interesses gerais; organização, enfim, da que deriva um poder coercitivo que permite a vontade assim constituída impor-se aos indivíduos com força irresistível. Destarte, dita vontade de direção e dominação se exerce com duplo fim: por uma parte se relaciona com a comunidade, e por outra parte realiza atos de autoridade que consistem em emitir preceitos imperativos e obrigatórios, bem como obrigar a execução desses preceitos.

(…) podemos definir cada um dos Estados in concreto como uma comunidade de homens fixada sobre um território próprio e que possuí uma organização de que resulta para o grupo, considerado em suas relações com seus membros, uma potestade superior de ação, de mando e de coerção.

[Malberg vai estabelecer esses como os elementos constitutivos do Estado da qual ele vai partir para desenvolver sua contribuição a teoria geral, se aprofundando na questão da natureza do Estado – no futuro trabalharei a “insuficiência” que ele cita a seguir em outras postagens conforme considerar conveniente]

3. Esta primeira definição, mesmo que esteja conforme os fatos, não pode satisfazer plenamente o jurista. A ciência jurídica não tem por objeto somente comprovar os fatos da onde se origina o direito, mas tem por principal empenho definir as relações jurídicas que derivam destes fatos. A insuficiência da definição antes enunciada provém manifestamente do fato que se limita a indicar os elementos que concorrem para engendrar o Estado mas do que definir o Estado mesmo. E portanto resulta perigosa, já que resulta naturalmente a confundir o Estado com seus elementos, ou ao menos com um deles. É assim que se tem pretendido identificar o Estado com a massa de indivíduos que o compõe. Outros, considerando a potestade pública e a organização da qual ela origina como elemento capital do sistema estatal, chegaram a identificar o Estado com as próprias pessoas que, em virtude desta organização, aparecem investidas de dita potestade. (…) Estas não passam de condições para a constituição do Estado.

(…)

Desde o ponto de vista jurídico, a essência própria de toda comunidade estatal consiste primeiro em que, apesar da pluralidade de seus membros e dos câmbios que se operam entre estes, se encontra retrotraída a unidade pelo ato mesmo de sua organização. Em efeito, como consequência do ordem jurídico estatutário estabelecido no Estado, a comunidade nacional, considerada seja bem no conjunto de seus membros atualmente em vida ou seja bem na série sucessiva das gerações nacionais, está organizada de tal que forma que os nacionais constituem entre todos um sujeito jurídico único e invariável, assim como somente entre todos tem, no que concerne a direção da coisa pública, uma vontade única: a que se expressa pelos órgãos regulares da nação e que constitui a vontade da comunidade. Este é o fato jurídico primordial que se deve ter em conta na ciência do direito, e que não se pode ter em conta senão reconhecendo desde logo o Estado, expressão da coletividade unificada, uma individualidade global distinta de seus membros particulares e transitórios, quer dizer, definindo o Estado como persona jurídica. Nas sociedades constituídas em forma estatal, os juristas tratam propriamente o Estado como o ente do direito em qual se resume abstratamente a coletividade nacional.

[A partir daí Malberg vai passar a discutir teorias da personalidade do Estado, visto que considera “impossível compreender perfeitamente o conceito de Estado somente apresentando-o como uma unidade corporativa”, porque outros entes sociais também possuem tal característica. O que vai distinguir o Estado de qualquer outro agrupamento é sua potestade, potestade pública que só ele deve ser dotado, a chamada soberania.]

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