O Projeto de Lei 7104/14, de autoria de Jair Bolsonaro, trata da inclusão de um inciso no Código Penal que tornaria a agressão contra um invasor de residência “legítima defesa”. Assim ele é descrito nas manchetes e pelo seu autor, que ainda argumenta que no seu entendimento a medida é inibitória da criminalidade. O projeto foi desarquivado em fevereiro deste ano e recentemente vi o mesmo sendo discutido, por isso decidi me aprofundar um pouco mais nessa questão.

Me impressiona como as pessoas se atém a elementos superficiais, se apegando a discussões ideais (as vezes farisaicas) sobre o quanto o cidadão de bem pode se defender ou sobre como a propriedade é desumana, sendo que essas coisas são secundárias – a discussão moral ao redor do projeto, ao redor da sua “justeza moral” é mal cabida, ainda mais no caso de ditos “marxistas”.

Vamos destrinchar a realidade por trás das aparências: qual a essência por trás dessa lei? Que razões e implicações materais ela tem? O que Bolsonaro pretende com esse projeto?

Façamos algumas considerações iniciais. Primeiro, a definição de domicílio na lei brasileira:

“O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Se a pessoa tiver várias residências regulares, onde viva, cada uma delas será considerada seu domicílio; se a pessoa não tiver residência habitual, seu domicílio será o local onde for encontrada. Também é domicílio, quanto às relações concernentes à profissão, o local onde exerça suas atividades; Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.

Pessoa Jurídica
(…) demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.

Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados. Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, terá por domicílio, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.”(Fonte: Wikipedia, “Domicílio”, 23/03/2015)

Além disso, o direito de legítima a defesa, considerado por muitos um direito natural, é algo amplamente aceito no senso comum. É natural, questão de bom senso, admitir que é legítimo defender a própria casa. De certa forma é “óbvio”. Os casos de invasão e ainda mais os de ataque contra o invasor são excepcionalidades em relação a lei, a defesa já é relativamente aceitável dentro da nossa jurisprudência (já que a lei prevê o direito de autodefesa e a invasão supõe uma ameaça física iminente).

Não é difícil perceber que Bolsonaro está tentando se promover defendendo algo bem ancorado no senso comum, algo que qualquer pessoa está disposta a aceitar – de que atacar um invasor é legítima defesa.

Isso nos revela uma parte da essência deste projeto, que ainda possui um caráter mais profundo e de consequências políticas mais sérias do que a autopromoção de um histriônico arrivista. Podemos nos perguntar se tal lei é realmente necessária, dado a excepcionalidade deste tipo de coisa. Acontece que, de uma maneira coerente com as forças que Bolsonaro representa, esse tipo de lei abre brechas para uma “fascistização”, ou mais precisamente a legitimação da resolução violenta de conflitos sociais, como as ocupações urbanas ou rurais. Isso acontece num contexto de uma ascensão da direita no Brasil e a extensão de tendências fascistas (no sentido genérico, claro) em geral, tendências que tendem a supressão violenta de conflitos sociais, o recrudescimento da repressão, a expansão da lógica autoritária, como é o caso da tal Lei Antiterrorista.

Impossível apoiar tal projeto sem ao mesmo tempo promover Jair Bolsonaro (que não é só um homem, um artista, um política ou um palhaço – ele representa todo um conjunto de forças). Tomem cuidado, sempre procurem a realidade por trás das aparências, pois os políticos sempre buscarão apelar para aquilo que abstratamente e em geral parece o mais justo possível.

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