O marxismo chinês é extremamente prolifico. Esse é só mais um exemplo dos milhares de artigos marxistas produzidos na academia chinesa. Aqueles que me conhecem, sabem como enfatizo essa hegemonia do marxismo na sociedade chinesa (Recomendo que leiam esse texto: Na China, todos são marxistas) . Traduzi este artigo por ser breve e por servir tanto como uma introdução ao socialismo chinês como o marxismo em geral. Apesar de não ser tão completo como poderíamos exigir, ele trás em si alguns elementos básicos do marxismo, sobre desenvolvimento histórico, capitalismo e socialismo, a filosofia da práxis (a ideia de compreender a realidade cientificamente para poder operar transformações na mesma, compreender as leis sociais para transformar a sociedade, compreender a economia para dirigi-la), a visão de mundo do marxismo e como este se comporta como método (não é um receituário dogmático ou um “modelo a ser seguido”; antídoto para quem vê o marxismo como mais uma forma de socialismo utópico, faz afirmações disparatadas como “a China traiu o marxismo” e “a China não pratica o marxismo”, que não confundem só a realidade chinesa mas a própria definição de marxismo). 

Do ponto de vista do socialismo chinês, o texto ressalta diversas características que costumo enfatizar:

– A linha chinesa é guiada pelo marxismo, o seu método é o marxismo, eles tem um arcabouço teórico, uma visão marxista.  Quer dizer, o processo e a direção do mesmo são dominados por uma visão marxista da história da sociedade. Alguns podem pensar que o Partido se guia só por meia dúzia de slogans ideológicos sem profundidade, o que não é verdade. Independente de outras linhas comunistas criticarem a China – como os soviéticos fizeram com os chineses no passado, posteriormente os albaneses – a visão deles é a princípio marxista, é com base numa ideologia marxista que conduzem e justificam suas políticas.  A posição deles é puramente marxista, ortodoxa, mais ortodoxa do que a dos norte-coreanos, por exemplo, que são tidos como mais “conservadores” em relação a manutenção do modelo socialista. Os chineses partem das proposições marxistas sobre o capitalismo e sua superação (a planificação, a propriedade pública e a prosperidade comum). [Uso o negrito pois acho isso um critério importante em caso de dúvidas, servindo para avaliar diversos socialismos e movimentos, inclusive os social-democratas de origem marxista]
– A globalização é tida como uma circunstância determinante na construção do socialismo (assim como o cerco imperialista foi outrora). A estratégia incluí a integração com o mercado mundial (tanto com a presença de empresas estrangeira na China como a internacionalização das empresas chinesas, o envolvimento no mundo financeiro)  e o nivelamento do poder de consumo dos chineses em relação a níveis “desenvolvidos” (um poder de compra global).
– A ideia de inevitabilidade do socialismo e avaliação de contradições inerentes ao capitalismo (isso cabe na parte dos “elementos básicos” do marxismo).
– A ideia, também puramente marxista, da necessidade do desenvolvimento das forças produtivas. É uma via de duas mãos – as forças produtivas precisam ser desenvolvidas para o socialismo e o socialismo deve desenvolver as forças produtivas (afinal é essa sua função histórica enquanto sistema que surge para substituir o capitalismo, superando suas contradições).
– A ideia de “superioridade do setor socialista”, que prevê a predominância do setor estatal na economia.
– Construir o socialismo tendo em conta as condições particulares da experiência chinesa e as práticas bem-sucedidas de outros países. Obviamente, isso não é uma novidade puramente chinesa e já remonta a Lenin quando estava no poder (que enfatizava a necessidade de se aprender com os países capitalistas, observar a economia de guerra alemã, o taylorismo, etc).
– A avaliação de leis gerais da economia e da sociedade que devem ser aplicadas e respeitadas nas formulação das políticas (que no caso se aplicariam tanto ao capitalismo quanto ao socialismo; que se apresentam na realidade chinesa, independente de seu caráter). Isso justifica, por exemplo, com a aplicação de certos mecanismos de mercado (a mesma lógica foi usada na URSS na década de ’30, a partir do fim do Primeiro Plano Quinquenal, apesar do desconhecimento geral). Apesar dessa posição também ser ortodoxamente marxista, é interessante notar que ela tem um precedente destacado em Stálin, mais especificamente em sua obra “Problemas Econômicos do Socialismo na URSS”, que se contrapõe ao voluntarismo e fala da independência das leis da economia política em relação a vontade humana, leis que refletem a regularidade dos processos, sobre a produção mercantil sob o socialismo e atuação da lei do valor no socialismo.

“as leis da economia política no socialismo são leis objetivas, que refletem a regularidade dos processos da vida econômica, que se realizam independentemente da nossa vontade. Negar esta tese é negar, na essência, a obra da ciência; e negar a ciência é negar a possibilidade de qualquer previsão; e, por conseguinte, é negar a possibilidade de dirigir a vida econômica.”(J. Stálin, “Problemas Econômicos do Socialismo na URSS”, “Caráter das leis econômicas no socialismo”)

– A ideia de que o capitalismo ainda corresponde a um longo período histórico. Depreende-se que o país socialista (politicamente falando) não só vai conviver com países capitalistas, mas com elementos do capitalismo em seu próprio sistema.  Isso também tem precedentes em Lenin (“Sobre o Imposto em Espécie”, “A Economia Política da Ditadura do Proletariado”), que fala da convivência de diversos modos de produção num único sistema e a persistência de elementos do capitalismo sob o socialismo.

Os autores são do Instituto de Pesquisa sobre Partidos Políticos da Universidade de Shandong. A tradução é do inglês e essa versão se encontra no site da Academia Chinesa de Ciências Sociais.

COMPREENDENDO OS SISTEMAS SOCIALISTA E CAPITALISTA CIENTIFICAMENTE

Wang Shaoxing, Zhang Shihai

Chinese Social Sciences Today, nº553, 07.02.2014

Em seu trabalho O Capital (Das Kapital), Karl Marx analisou compreensivamente as contradições básicas da sociedade capitalista e fez previsões científicas sobre o desenvolvimento futuro do socialismo e da sociedade socialista. Sua análise foi baseada nas condições reais de desenvolvimento histórico, bem como sobre a visão de mundo e da metodologia do materialismo dialético.

Argumentos sobre as tendências históricas do capitalismo feitos sob a orientação do materialismo histórico

As leis do desenvolvimento das economias capitalistas, que são reveladas no livro de Marx, ainda têm uma influência dominante sobre o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo. Em sua obra seminal, Marx demonstrou a necessidade histórica para a emergência do capitalismo, o seu desenvolvimento e seu desaparecimento final através da análise da mais-valia, sendo a partir daí ele passou a desenvolver seus argumentos científicos sobre as tendências de desenvolvimento capitalista.

No contexto da globalização, os países capitalistas desenvolvidos contemporâneos sofreram mudanças enormes e profundas. Essas mudanças envolvem altos níveis das forças produtivas e de socialização [maior concentração do capital], bem como o alívio temporário das contradições entre o proletariado e a burguesia. Há uma série de fatores que levam a essas alterações, incluindo o andamento de revoluções sociais e técnicas, o auto- ajuste dos países capitalistas desenvolvidos e da luta da classe trabalhadora para defender seus próprios interesses. É claro, portanto, que as novas mudanças que estão ocorrendo nos países capitalistas ainda estão de acordo com as leis do desenvolvimento do capitalismo, como revelado no livro de Marx. Tem de ser salientado, contudo, que essas mudanças são apenas periódicas, e não fundamentais. A crise financeira que ocorreu em 2008 comprova esse ponto de vista, mais uma vez. As contradições básicas do capitalismo já se expandiram por todo o mundo e a eclosão da crise econômica mundial demonstrou a transitividade histórica do modo de produção capitalista. Todos esses fatos mostram que é inevitável que o capitalismo será substituído pelo socialismo no futuro.

Esclarecendo proposições fundamentais sobre o futuro desenvolvimento social através da comparação

As proposições para o futuro desenvolvimento social encontrados na Capital desempenham um papel orientador na construção do socialismo contemporâneo. O livro não descreve especificamente as leis de uma economia socialista, mas revela as da economia capitalista, bem como clarifica as suas proposições fundamentais para o futuro desenvolvimento social através da comparação. Por exemplo, a propriedade pública dos meios de produção constitui a base econômica da sociedade socialista e realizar a prosperidade comum é uma missão importante para esse tipo de sociedade. Essas proposições para o futuro desenvolvimento social constituem o núcleo e a teoria do socialismo científico .

Além disso, os pontos de vista básicos sobre desenvolvimento socialista mencionados no Capital também exercem uma influência significativa sobre a construção do socialismo contemporâneo no contexto da globalização. Durante o processo de reforma e abertura dos últimos 30 e poucos anos, o Partido Comunista Chinês tem se esforçado para explorar criativamente as teorias fundamentais e questões práticas de construção do socialismo com características chinesas, insistindo sobre as proposições para o futuro desenvolvimento social contida no Capital e também desenvolvê-las a par do desenvolvimento real do socialismo na China. [desenvolver a proposições teóricas de acordo com o desenvolvimento prático da experiência]

Compreender as leis econômicas amplamente aplicáveis ​​para a sociedade humana de uma forma científica

A compreensão racional do desenvolvimento social no contexto da moderna produção em massa, que faz parte do Capital, fornece uma base para lidar com a relação entre os sistemas socialista e capitalista hoje em dia.

Em certa medida, os ajustes parciais e auto-aperfeiçoamento que ocorrem no âmbito do quadro institucional dos países capitalistas desenvolvidos contemporâneos depende do fato de que os países capitalistas seguem as leis econômicas que são amplamente aplicáveis ​​para a sociedade humana como um todo. Desde a reforma e abertura, o Partido Comunista Chinês vem entendendo e aplicando essas leis corretamente, bem como absorvido e tirado lições de todas as conquistas da sociedade humana, criando, assim, um socialismo vigoroso. Todas estas questões provam a natureza científica e valor contemporâneo dos pontos de vista do Capital sobre o desenvolvimento da sociedade humana.

É um fato de que dentro de um intervalo de tempo previsível, o capitalismo não vai descer do palco da história de sua própria vontade e ele irá co-existir com o socialismo. Como uma forma de sociedade que caminha junto com a produção em massa moderna, o socialismo contemporâneo deve lidar corretamente com as questões de competição, cooperação e convivência com o capitalismo, seguir conscientemente as leis gerais do desenvolvimento da sociedade humana, absorver e tirar lições das conquistas que todos os países fizeram, incluindo os capitalistas desenvolvidos. Desta forma, ele será capaz de mostrar as vantagens institucionais e futuro brilhante do socialismo, num momento em que o socialismo e o capitalismo ainda co-existirem.

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“A Revolução Chinesa”, Wladmir Pomar, Editora Unesp. Saraiva, Livraria Cultura

“Enigma Chinês – Capitalismo ou Socialismo?”, Wladmir Pomar, Editora Alfa-Omega.

“Fuga da História? A Revolução Russa e a Revolução Chinesa vistas de hoje”, Domenico Losurdo, Editora Revan. Saraiva, Livraria Cultura

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