O jovem Park Chung Hee, ou Takagi Masao, em seu uniforme de Oficial do Exército Imperial, na Manchúria em 1944. Fonte: japanfocus.org

“A anatomia da estratégia de modernização de Park demonstra a profundidade da influência do Japão em sua pessoa. O ethos japonês, os modelos de política e instituições foram instrumentais no molde das fundações ideais das políticas e objetivos de modernização econômica, política e social de Park.”(“The Park Chung Hee Era – The Transformation of South Korea”, 2011. pg. 121)

Takagi Masao. Esse era o nome japonês de Park Chung Hee durante o período colonial. Park Chung Hee foi muito influenciado pelo Japão Imperial. Durante sua infância e juventude, Park recebeu a educação japonesa que glorificava o Imperador e treinava os jovens coreanos para serem seus súditos. Sendo professor por um curto período de tempo, Park mudou de carreira e estudou durante dois anos na Escola de Oficiais de Manchukuo Xinjing, passando mais dois anos Academia Militar Japonesa de Zama por ser um estudante destacado. Levando em conta que as guerrilhas antijaponesas de Kim Il Sung nasceram e atuaram na Manchúria, podemos dizer que já naquela época Park Chung Hee já havia entrado em rota de colisão com seu futuro rival.

“Sua educação japonesa moldou sua personalidade e Weltanschauung. Ele enfatiza atenção aos detalhes, precisão e pregava o valor de auto-sacrifício pela nação. ” (pg. 118)

“…os elementos mais fundamentais de seu mapa cognitivo – crenças, normas e valores – eram estritamente próximos ao Japão da década de ’30, mais do que o democrático e pacifista Japão pós-guerra. Nacionalismo, estatismo e valores militares constituíam seu ethos.” (ibid. pg 122)

Sua identidade japonesa influenciou de três maneiras a estratégia de modernização sul-coreana:

1 – Park admirava a Restauração Meiji (1867-68/1912), seu programa de modernização e suas bases ideológicas. “Fokoku kyohei” (“nação rica, exército forte”) e “shokusan kogyo”(“promover a produção”) eram slogans japoneses que foram traduzidos por Park Chung Hee, além de complementados no mesmo espírito. “Promover a produção, as exportações e a construção”, “construção em uma mão e defesa nacional na outra”, “frugalidade, trabalho duro e poupança”.

Em uma visita ao Japão em 1961, Park disse claramente: “Eu estou conduzindo a modernização do meu país como a elite modernizadora da Restauração Meiji fez.”

A obsessão de Park com uma “nação rica” e um “exército forte” fez com que ele elegesse as indústrias pesadas e químicas como os setores estratégicos que iriam tirar a Coreia do Sul do atraso econômico e vulnerabilidade militar. Tendo esse mente, apressadamente Park formulou um projeto de criação de uma usina siderúrgica integrada já em 1962 (Park tomou o poder em 1961), com parte do primeiro Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico (PQDE), apesar das reservas dos EUA em relação a viabilidade de tal projeto. Em 1967, enfrentando críticas dos EUA, do Banco Mundial e de técnicos do Estado, a indústria metalúrgica foi mais uma vez identificada como um setor estratégico no segundo PQDE. Isso teve que esperar a proclamação da autoritária constituição yushin em 1972, por causa da falta de capital estrangeiro, tecnologia e poder do Estado para forçar poupanças. Park teve que enfrentar a oposição de sua burocracia econômica, que defendia uma abordagem mais segura-conservadora (do ponto de vista das finanças), mas Park preferiu seguir o precedente revolucionário japonês. Os altos custos eram no curto prazo e não superavam os benefícios do longo prazo, e cabia a ele, como o líder, forçar o avanço frente os técnicos cuidadosos.  É para isso afinal que servia sua visão política, por isso era o recipiendário da autoridade, o elemento de dinamismo dentro da máquina, em contraposição aos vícios e a lentidão incompetente do sistema democrático liberal.

Park uma vez disse a seu ministro do comércio e indústria, Kim Chong-ryom:

“O poder que permitiu o Japão declarar a guerra no Pacífico veio das siderúrgicas. O Japão pode construir tanques, canhões e embarcações navais porque tinha siderúrgicas.”

Em fevereiro de 1965, Park recebeu Fujino Chujiro, presidente da Mitsubishi General Trading Company, e declarou:

“Enquanto eu frequentava a Academia Militar Japonesa, eu tive a chance de visitar a Mitsubishi Metais Pesados. Eu fiquei profundamente impressionado com a produção de embarcações navais e submarinos.”

Park Chung Hee conhecia a economia de guerra japonesa e emulou seu sistema de mobilização total. Uma burocracia forte, primazia na produção, intervenção estratégica do Estado nos mercados, controle burocrático do setor financeiro e a estruturas de governança corporativa zaibatsu do período de guerra japonês ressurgiram no regime de Park, com inovações para o contexto sul-coreano.

2 – O militarismo japonês. Park admirava o período Meiji, mas o Japão que ele conheceu e emulou foi o do período Showa, dirigido por elementos de direita das forças armadas japonesas que buscavam re-estabelecer a autoridade do sistema imperial e substituir uma política civil de partidos dita ineficaz por uma liderança de tipo militar. Park enxergava a si mesmo nesses termos – o golpe militar foi feito para salvar a nação de elementos  civis corruptos e incompetentes, criando uma nova nação próspera e forte através do poder estatal.

Em 1961 no Japão, na ocasião que fez referência a Restauração Meiji, Park também declarou que acreditava na educação japonesa é a melhor maneira de se cultivar um exército forte.

“Park era totalmente militarista na mentalidade, no estilo do Japão nos anos ’30 e início dos anos ’40.”(ibid. pg. 118)

Park também recorria ao passado colonial da Coreia, isto é, as políticas do Japão Imperial em solo coreano. O Movimento da Nova Comunidade de Park, parte do projeto de modernização do campo, está para a Política de Promoção da Vila dos japoneses, baseado numa rede densa de organizações de massa (yokusankai) voltadas para a mobilização e o controle.

3 – Park e seu grupo continuaram a aprender com o Japão do período pós-guerra. Yi Tong-won foi chefe de pessoal de Park (1962-1964) e ministro do exterior (1964-1966),  descreveu que Park como um homem muito ocupado estudando o Japão – sempre acompanhava as publicações japonesas e lendo “A História da Economia Japonesa” até a madruga. Numa ocasião Yi Tong-won se referiu a Grã Bretanha como exemplo, por ser pequena e sem recursos, mas conquistou o mundo; Park repreendeu Yi dizendo que eles não deveriam aprender de um país distante como a Grã-Bretanha, mas sim do Japão, que é próximo.

O Japão era um exemplo a ser imitado e um alvo a ser superado. O respeito pelas conquistas do Japão se misturava com a desconfiança em relação ao vizinho.

O Japão pós-guerra também influenciou o foco sul-coreano na indústria pesada. O Japão teve o seu Plano Econômico de Longo Prazo promulgado em 1957, cuja a estratégia consistia em ampliar a produção industrial para alcançar o nível de 10 bilhões em exportações dentro de dez anos. A experiência japonesa serviu de mapa para o sul-coreanos nos anos ’70, apesar de Park já imita-los desde o início de sua estadia no poder. O Ato de Promoção da Indústria de Maquinaria da Coreia do Sul (1967) era quase idêntico ao ato de Medidas Temporárias para Promover a Indústria de Maquinaria japonês (1956), assim como o Ato de Promoção da Indústria de Eletrônicos sul-coreano (1969) em relação a Medida Temporária para  Promover a Indústria de Eletrônicos do Japão (1957).

A Coreia do Sul também emulou o sistema japonês de de Companhia Geral de Comércio (General Trading Company, Shogo Shosha; CGC). A ideia é desenvolver alguns campeões nacionais, trazendo importadores e exportadores de pequena e média escala para a sombra de uma casa de comércio gigante, facilitando a logística, a transmissão de informação, controle de qualidade e coordenação de produções, tudo através de uma burocracia do Estado. O crescimento das exportações foi promovido com a seleção de alguns chaebols (grandes conglomerados sul-coreanos) como centros das exportações do país e concentrando os recursos por trás de seu processo de formação para criar os gigantes de exportação.  O modelo sul-coreano dava maior ênfase no crescimento das exportações, era mais dependente do apoio do Estado, com uma organização mais hierárquica e mais seletivo na escolha das mercadorias estratégicas (a Coreia do Sul se encontrava numa condição menos favorável que o Japão).

“As ideias da política de industrialização do Japão pós-guerra, direção administrativa e CGCs moldaram suas decisões no que concerne as estratégias de modernização e seus veículos institucionais depois da tomada do poder em 1961.”(pg. 122)

“Enquanto o Japão Imperial construía sua personalidade, o Japão do pós-guerra proveu Park com ideias instrumentais de como garantir eficiência industrial e administrativa, maximizar o efeito da intervenção do Estado no crescimento e mobilizar a sociedade para a modernização.” (pg. 122)

Fontes:

Chung-in Moon e Byung-joon Jun, “Modernization Strategy: Ideas and Influences”, em “The Park Chung Hee Era – The Transformation of South Korea” , org. Byung-kook Kim e Ezra F. Vogel, Harvard University Press, 2011.

Leia também: A Ideologia de Park Chung Hee

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