As teorias da ordem espontânea são parte constituinte do chamado Liberalismo Clássico. Atualmente, são parte fundamental de diversas ideologias liberais, incluindo desde o conservadorismo liberal até o libertarianismo. A ideia de ordem espontânea é importante até mesmo para os liberais mais intervencionistas, mantendo em si o pressuposto da livre ação e interação entre indivíduos livres para perseguir seus objetivos. “Ordem espontânea” é o coração da ideologia liberal. Suas ideias foram desenvolvidas durante o Iluminismo Escocês para explicar os sistemas humanos de larga escala. Dentre os mais destacados escoceses, temos antes de tudo Adam Smith, seguido por figuras como David Hume, Gershom Carmichael, Francis Hutcheson, Adam Ferguson, John Millar e Dugald Stewart. Neste esforço teórico, podemos observar um fim metodológico, de análise, e um fim ideológico, de proposta – ao mesmo tempo servem como explicação e estratégia. Isso trás algumas limitações para a capacidade dessa visão de analisar a história (me refiro especialmente ao passado que a antecede), outros tipos de sociedade que não aquela que os autores presenciaram em seu amanhecer. Acredito que, aparte seu caráter ideológico, essas considerações tem algum valor sociológico. São um bom objeto para uma reflexão crítica e obviamente não são argumentos definitivos e auto-suficientes para nada – não é como se antes dos escoceses a humanidade fizesse o contrário ou se outras ideologias preguem exatamente o oposto. Estamos falando de um recorte, de uma visão. Não é muito inteligente simplesmente usar o argumento do princípio de familiaridade (que vai ser tratado abaixo) contra algum tipo de política social como uma espécie de dogma matemático. Os iluministas escoceses viam uma característica central que certas instituições sociais (a linguagem, a moral, a lei e a economia) tinham em comum, o seu caráter espontâneo ou não-intencional (como diz James R. Ottenson). As decisões e comportamentos individuais davam origem a essas instituições sem a intenção de cria-las ou molda-las. Obviamente eles tinham intenções, mas intenções a nível local e micro. Os indivíduos fazem seu caminho nas interações com outros buscando maneiras de melhorar sua própria condição (Adam Smith). As decisões individuais então são ad hoc e pragmáticas, submetidas a um método de tentativa e erro, na comparação entre sucessos e fracassos. Esses métodos produziriam sistemas de ordem espontânea que seriam constantemente, mas não sempre, benéficos para os envolvidos. Sabendo disso, os filósofos podem passar para um outro nível: são capazes de formular estratégias de estruturação do comportamento assim como recomendações que buscam maneiras de melhorar a vida (aqui está, no liberalismo clássico, as origens dos liberais intervencionistas do século XX, “intervencionistas” não no mero sentido econômico). Apesar de haver uma tensão, isso se relaciona muito com “aparar arestas” da ordem natural e especialmente conceber formas de resolver conflitos (pensando em conflitos violentos). Modelo geral da ordem espontânea Os escoceses viam essa ordem espontânea como resultado de mecanismos de mercado que tinham suas próprias características salientes. Eles não pensavam de maneira igual sobre quais eram as recomendações mais apropriadas, sequer podemos dizer que há uma total concordância sobre o funcionamento do modelo de mercado. No entanto, James R. Ottenson elenca algumas similaridades que emergem nas abordagens, nos métodos e nas conclusões. São estas: Escala micro – conhecimento local e interesse local – Os indivíduos tem um escopo limitado e de certa forma estrito de conhecimentos, o que influencia e determina seus interesses. – Os indivíduos são mais familiarizados com suas próprias circunstâncias, incluindo suas habilidades, desejos e oportunidades; são um pouco menos familiarizados com a circunstâncias dos membros mais próximos de suas famílias e circulo de amigos, menos ainda de amigos e familiares distantes e assim vai até chegarmos a vasta maioria das pessoas do mundo, sobre as quais o indivíduo não sabe nada. Desta maneira, partindo da premissa de que o melhor para tomar decisões sobre o que fazer para ser feliz é aquele com mais conhecimentos/informações e de que cada um está na na mesma posição de conhecimento limitado, então a decisão cabe a cada pessoa individualmente. Daí surge o “Argumento do Conhecimento Local”. Uma de suas implicações é de que os indivíduos deveriam ter um alto nível de liberdade individual e nenhuma outra parte ou legislador distante está na posição de tomar decisões por outros como eles deveriam usar seus talentos e recursos, ou quais oportunidades tomar. É importante entender “Local” como limitado. Negociação, cooperação e ordens não intencionais Os recursos são escaços e os desejos das pessoas geralmente superam sua capacidade de adquirir isso sozinhas, então a negociação e a cooperação são parte integral da vida social. No campo da moralidade, uma pessoa procura convencer a outra que seu comportamento e seu  julgamento dos comportamentos de outrem está correto e que, portanto, deve ser “simpatizado”(termo de Adam Smith). A negociação são localizadas: as pessoas envolvidas geralmente não querem muito mais do que a concordância da outra pessoa (para a troca, o contrato, etc). Não estão pensando em que consequências levarão para a vida social ou que precedentes estarão estabelecendo. Mesmo assim, eles estão estabelecendo precedentes. Isso faz parte de um elemento fundamental do liberalismo e do individualismo – a experiência humana é individual, a experiência cognitiva é individual. Objetividade do meio termo A obediência as regras morais do sistema espontâneo pode ser considerada como a vontade de Deus ou alguma forma de obrigação religiosa, no entanto a formação das regras não depende de sanção divina ou metafísica. É difícil pensar num sistema moral perfeito do ponto de vista metafísico, e em última instância (ou será “a princípio?”) são regras desenvolvidas por seres humanos falíveis tentando melhorar suas vidas, buscando seus interesses. É uma visão pragmática. Por outro lado, as regras morais não são arbitrárias. Os escoceses não fazem a defesa da total liberdade moral, numa moral auto-determinada, criada na mente do indivíduo, também não são niilistas anti-sociais. Isto não, não defendem nem enquanto fato (isto é assim, as coisas são assim) e nem como bandeira (nós queremos isto, as coisas devem ser assim). Eles seguem uma “objetividade do meio termo” baseada no acordo tácito e nas crenças das pessoas, mesmo que estas se conforme numa tradição de decisões individuais, nenhum individuo pode muda-las. É uma força social que os obriga a fazer isso (as vezes de maneira forçosa, brutal), mesmo pessoas que estariam melhor se as regras fossem outras, e sem nenhuma lei, acordo oficial ou explicito que determine isso.  Então as regras são objetivas, elas existem e são seguidas, transgressões são punidas; mas não são a priori dependentes da vontade de Deus, de formas platônicas ou qualquer justificativa fora do mundo (como podemos notar, na verdade é uma espécie de “remédio” para o niilismo, pois a morte de Deus não traria a morte da moral). É que podemos pensar em uma noção afim da “commom law”, do senso comum, na confiança da sabedoria do juiz e do júri. Auto-interesse, benevolência limitada e princípio de familiaridade Os escoceses realmente partem do princípio de que os humanos são primariamente guiados pelo auto-interesse. Hume falou do “egoísmo e generosidade limitada” naturais da humanidade. Essa noção de auto-interesse inclui os interesses daqueles com os quais a pessoa se importa – família, amigos, etc. Adam Smith, em sua obra sobre os sentimentos morais, diz que mesmo o indivíduo sendo muito egoísta ou autocentrado, existem alguns princípios na sua natureza que gera o interesse na sorte dos outros e que é relativo a sua felicidade pessoal apesar dele não derivar nada disso a não ser o conforto emocional. É “auto-interesse” pois são somente da pessoa, e porque ela frequentemente ignorará os interesses de quem está fora de seu círculo. Isso seria somente um simples fato da natureza humana: nós importamos mais com nós mesmos do que com os outros, seguidos por nossa família e amigos próximos, a família e os amigos em geral, as pessoas próximas e por último os estranhos. Como podemos perceber, o nível descendente de benevolência para com outrem se relaciona com nossa familiaridade com estes: quanto mais familiar, mais nos preocupa o seu bem estar. R. Ottenson chama isso de “Princípio de Familiaridade”, o que influiria de maneira notável no surgimento e no desenvolvimento das instituições da sociedade, assim como nas recomendações políticas e econômicas dos escoceses. Bem-estar geral Eles não acreditavam, obviamente, que as pessoas no seu cotidiano pensavam ou se importavam muito com o “bem comum”. É importante notar a referência ao “cotidiano” pois o cotidiano, o pequeno, o micro é fundamental na noção dos escoceses. A natureza sem intenção do sistema, com os diversos indivíduos buscando os seus interesses, na forma como ele se forma e desenvolve, faz com que ele tenha uma tendência de beneficiar todos no longo prazo. No entanto, existem diversas maneiras desse sistema ser corrompido. Viam os sistemas verdadeiramente “naturais” como geralmente benéficos, e se ele sofria corrupção então não era natural. Por corrupção não se pensa muito em “intervenção estatal”, em “planos”, “intenções para a sociedade”, mas sim em fenómenos como a guerra ou a fraude. Apesar de acreditarem na natureza humana como algo fixo e pouco variável, eles acreditavam na capacidade da filosofia da moral em discernir os princípios da natureza capazes de nortear a coisa política de maneira a permitir uma vida feliz e pacífica. Assim surge uma noção de uma ciência da jurisprudência tendo como objeto PERMITIR que as pessoas sejam felizes (e não “fazê-las”) e o papel do Estado como protetor da ordem, para a resolução pacífica de conflitos, a proteção da propriedade, a garantia do cumprimento dos contratos e da punição de roubos, fraudes e outros desvios nocivos ao individuo e (portanto – um portanto fundamental na lógica liberal da ordem espontânea que vai do individuo para a sociedade) a sociedade. Nota-se também a inclinação liberal a função intelectual como prática política.

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