Muitos sabem da invasão de Playa Girón (Baía dos Porcos) em Cuba e o patrocínio/direção norte-americana desta invasão. Poucos sabem, no entanto, que em março de 1959 a República Popular da China teve o seu próprio incidente de Playa Girón.

A desagregação da China faz parte da estratégia geopolítica norte-americana desde o início da Guerra Fria. A larga extensão territorial e a diversidade étnica-regional fornecem uma boa base para movimentos separatistas, como no caso de Xinjiang e do Tibete. A Operation ST-Circus foi organizada pela CIA com esse propósito.  O Estado norte-americano (governo, agências e Congresso) reconheceu o Tibete como território ocupado pela China e respaldou o governo do exílio (Central Tibetan Administration, CTA), liderado por Dalai Lama (Tenzen Gyatso) e instalado em Dharamshala, na Índia.

A operação foi deflagrada como uma sublevação armada em Lhasa, capital do Tibete, liderada por Gyalo Thondup, irmão do Dalai Lama. A revolta foi preparada a partir dos Estados Unidos, com a CIA treinando em 1956 cerca de 250 a 300 “tibetan freedom fighters” em Camp Hale (Colorado), sob a supervisão do oficial Bruce Walker. Estes soldados foram transportados em aviões Curtiss C-46 Commando, da Intermountain Aviation and Intermountain Airways (companhia de aviação da CIA) e da USAF e lançados de paraquedas nas montanhas de Aspen, onde haviam estabelecido uma base secreta de operações na China.

Camp Hale

Também foram estabelecidas bases de treinamento no Nepal em: Palijorling, Jampaling e Tashi Gaang (campos de refugiados tibetanos próximos a cidade de Pokhara).

A sublevação armada em Lhasa foi duramente esmagada pelo governo de Beijing, mas as covert actions continuam não só com o apoio da CIA e a colaboração de tibetanos originários de Kham, mas de agentes dos serviços do Nepal e da Índia. Os remanescentes foram dispersados em 15 campos espalhados pelo Tibete, na Índia e no Nepal. A partir de 1960 o Dokkam Chushi Gangdruk (Força de Voluntários de Defesa de Chushi Gangdruk), exército formato em 1958 por tibetanos armados, treinados e financiados pela CIA, continuava a campanha de guerrilhas e contavam com aproximadamente 2 mil combatentes da etnia Khampa (de Kham), situados nas diversas bases (inclusive em Mustang, no Nepal – esse tipo de base fora do território chinês no entanto próxima era muito vantajoso para realizar raids e incursões guerrilheiras, já que contavam com a proteção da soberania de um Estado).

Gyalo Thondup

Gyalo Thondup

Entre 1949 e 1951, a CIA aumentou em dez vezes o número de operadores engajados em covert actions  e o orçamento para essas ações superava em 20 vezes o orçamento utilizado para a derrubada de Mohamed Mossadeq no Irã. O custo do Tibetan Program da CIA para o ano fiscal de 1964 previa um gasto de:

US$ 500.000 para as guerrilhas baseadas no Nepal
US$ 400.000 para o treinamento encoberto na base do Colorado US$ 225.000 para equipamentos, transporte e custos do operador de treinamento
US$ 185.000 para o transporte clandestino de tibetanos do Colorado para Índia
US$ 125.000 para uma miscelânea de despesas, como equipamentos e suprimentos para equipes de reconhecimento, estocagem de provisões, reabastecimento aéreo, preparação de estágios para a rede de agentes no Tibete e salários de agentes
US$ 45.000 para a educação de 20 jovens tibetanos selecionados
US$ 75.000 para a criação e manutenção de Tibet Houses em Nova York, Genebra e outras cidades não desclassificadas
US$ 180.000 para subsidiar Dalai Lama

Custo total do programa da CIA para o Tibete em 1964 orçado em: US$ 1.735.000

É interessante lembrar que essas quantias tinham um poder aquisitivo muito maior naquela época.

O movimento guerrilheiro cessou num período entre 1971 e 1972, com os seguintes acontecimentos:

– A falta de sucessos por parte dos esforços secessionistas desiludiu Washington em relação a guerra secreta.
– A posição de Kissinger e Nixon que levou os Estados Unidos a buscar uma re-aproximação com a República Popular da China.
– Os chineses pressionaram o Nepal para o fechamento dos campos de treinamento em Mustang.
– Em julho de 1974 o Dalai Lama finalmente exorta os guerrilheiros remanescentes, treinados pela CIA e liderados pelo khampa Gyato Wangdu, a se renderem e entregarem suas armas ao exército do Nepal.  Wangdu e mais alguns tentaram escapar, mas a 20 milhas da fronteira com a Índia sucumbiram a uma barragem de fogo nepalesa. Foi o fim da luta armada. O Nepal estava sob o governo do rei Birendra Bir Bikram Shah Dev (1972-2001).

O fim da luta armada não significou o fim das operações psicológicas (psy-ops). O governo norte-americano segue canalizando dinheiro para a causa tibetana por meio de instituições como o Escritório de População, Refugiados e Emigração (órgão do Departamento de Estado) e a Fundação Nacional pela Democracia (National Endowment for Democracy, NED), que não é oficialmente do governo americano mas já recebeu 80 milhões de dólares do Tesouro ano fiscal de 2009. Dalai Lama reconhece que apesar dos EUA de procurar manter boas relações com a China, apoiam a causa tibetana.  Dalai Lama só escondeu o papel da CIA no levante de 1959 até 1975. Em entrevista concedida a jornalista Cláudia Dreyfus do New York Times, o novo ícone da “não-violência” elogiou o papel da CIA no apoio aos guerrilheiros tibetanos. Dalai Lama é atualmente o centro das operações psicológicas (Dalai Lama o nobel da paz, Dalai Lama o sábio da vida cotidiana, Dalai Lama o palestrante internacional, Dalai Lama a vítima do comunismo chinês, etc), pois quanto mais prestígio e fama essa figura adquire, maiores são os aportes financeiros provenientes de instituições do terceiro setor (ONGs, institutos e fundações), assim como os donativos de ricos simpatizantes (dedutíveis do imposto de renda), como observou Aldo Pereira em 2009.

Fontes:

Luiz Alberto MONIZ BANDEIRA,  “A SEGUNDA GUERRA FRIA – GEOPOLÍTICA E DIMENSÃO ESTRATÉGICA DOS ESTADOS UNIDOS – Das rebeliões na Eurásia à África do Norte e ao Oriente Médio”, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2013. pgs. 129-132

Moniz Bandeira usa as seguintes referências:

“Gyalo Thondup: Interview Excerpts”, Asia News/The Wall Street Journal, 20 de Fevereiro de 2009.
Andreas Lorenz, “CIA Ausbider in Tibet: Dilemma auf dem Dach der Welt”,  Der Spiegel 9/6/2012. Jamyang NOrbu, “Remembering Tibet Freedom Fighters”, TheHuffingtonPost.com, 20/10/2010. Scott N. Miller, “Celebrating Freedom at Camp Hale”, Vail Daily, 10 de Setembro de 2010. Tim Mcgirk, “Angry Spirit”, Dalai Lama Sur Envoyé Spécial – Part 3 of 3, 6 de Abril de 2012
Knaus, 2012, pg. 98. John Kenneth Knaus foi o agente da CIA que chefiou a operação de 1958 e 1965.
Tibet [China]: Information on Chushi Gangdruk [Gangdrug], United States Bureau of Citzenship and Immigration Services, Resource Information Center, 22/01/2003, CHN03002.NYC. Richard M. Bennet, “Tibet, the ‘great game’, and the CIA”, Global Research, Asia Times, 25 de Março de 2008
337. Memorandum for the Special Group/1/Washington, January 9, 1964./1 Source: Department of State, INR Historical Files, Special Groupt Files, S.G. 112, February 20, 1964. Secret; Eyes Only. The source text bears no draft information. Memoranda for the record by Peter Jessup on February 14 and 24 state that the paper was considered at a Special Group Meeting on February 13 and approved by the Special Group on February 20. (Central Intelligence Agency, DCI (McCone) Files, Job 80-B01285a, Box 1, 303 Committee Meetings (1964)). SUBJECT Review of Tibetan Operations 1. Summary – The CIA Tibetan Activity consists of political action, propaganda, and paramilitary activity. The purpose of the program at this stage its to keep the concept of an autonomous Tibet alive within Tibet and among foreign nations, principally India, and to build a capability for resistance against possible political developments inside Communist China.  Disponível em: http://www.state.gov/www/about_state/history/vol_xxx/337_343.html ((esta em especial concerne aos gastos listados)

A entrevista com Claudia Dreyfus,  “The Dalai Lama”, The New York Times, 28 de Novembro de 1993.

A Wikipedia também disponibiliza informações sobre a revolta.

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