Este texto não é sobre o trotskismo e suas vicissitudes, mas sobre a atração quase magnética exercida por Trotsky sob alguns jovens bombardeados pela propaganda anticomunista, sobre um fenômeno político sui generis da esquerda. Buscaremos abordar uma representação falsa do trotskismo difundida por esses jovens, desde imberbes nos seus treze anos até militantes do PSTU (ou do PSOL) de já certa idade. Esquerdistas rebeldes e sentimentais, “amantes da humanidade”, provavelmente baseiam suas posições no raciocínio de simplista de “Stálin era mau então Trotsky era bom”, obviamente um raciocínio subjetivo e personalista, anti-marxista em sua totalidade. Completamente a mercê da propaganda, endossam todas as acusações dirigidas contra o socialismo real e apontam Trotsky como a solução. Este texto também é válido para “democratas” e “democratas de esquerda” que cedem a Trotsky.

Em primeiro lugar seria recomendável que esses esquerdistas sentimentais e moralistas estudassem Marx e, se possível, lessem os panfletos de seu ídolo Trotsky sobre moral e revolução (“Os Moralistas Pequeno-Burgueses e o Partido Proletário”, “Moral e Revolução”, “Moralistas e Sicofantas contra o Marxismo”…). O marxismo não é uma profissão de fé de amor aos pobres nem um exercício de piedade cristã, muito menos estandarte adequado para jovens histéricos auto-proclamados “amantes da humanidade”.

“Uma forma de pensar “puramente” normativa, idealista e ultimatista quer construir o mundo à sua imagem e desfazer-se simplesmente dos fenômenos de que não gosta. Só os sectários, quer dizer, a gente que é revolucionária só na sua própria imaginação, se deixam guiar por puras normas ideais. Dizem: não gostamos destes sindicatos, não os defendemos.” (Trotsky, “Um Estado Não Operário e Não Burguês”, 25 de Novembro de 1937)

“Que é democracia partidária aos olhos de um pequeno-burguês “culto”? Um regime que lhe permita dizer e escrever o que lhe apeteça. Que é o “burocratismo” aos olhos de um pequeno-burguês “culto”? Um regime no qual a maioria proletária fortalece com métodos democráticos suas decisões e disciplina. Operários, tenham isto bem presente!”(Leon Trotsky, “Os Moralistas Pequeno-Burgueses e o Partido Proletário”, 23 de Abril de 1940)

“Em seu recente artigo polêmico contra mim, Burnham explica a que o socialismo é um “ideal moral’. Na verdade, isto não é nada novo. No início do século passado, a moral serviu de base ao “verdadeiro socialismo alemão” que Marx e Engels submeteram à critica no próprio começo de suas atividades. No começo do nosso século. os socialistas revolucionários russos contrapunham o “ideal moral” ao socialismo materialista. Lamento dizer que esses defensores da moral se transformaram em vulgares vigaristas no campo da política. Em 1917, traíram completamente os operários a favor da burguesia e do imperialismo estrangeiro.”(IBID.)

Seguem abaixo os principais desentendimentos e distorções acerca do trotskismo com seus respectivos esclarecimentos:

“Trotsky era um democrata e era contra Stálin por este ser um ditador e a URSS era uma ditadura.”

De fato, Trotsky considerava Stálin um personagem central no que ele identificava como um processo de degeneração burocrática do Estado proletário e consequente degradação da democracia proletária. No entanto, Trotsky não baseava essa sua posição por uma apreciação abstrata de “democracia no geral”, isto é, por “ser um democrata”, ou por ser absolutamente “contra ditaduras”. Não estava contrapondo o sufrágio universal e o Estado de direito a União Soviética. Como marxista, argumentava em termos de dialética processo histórico, não em abstrações anti-históricas sobre “ditadura” e “democracia”. Sua oposição ao que ele descreveu como degeneração burocrática não se deve a estes “valores superiores” e sim a observação de que isto era um produto contrarrevolucionário da própria revolução e constituiria um obstáculo no triunfo do socialismo, uma barreira no desenvolvimento das forças produtivas. No mais, a maioria dos historiadores que chamam Stálin de “ditador” apontam que ele teria atingido essa condição a partir de 1934, de fato a época em que podemos falar numa ascensão, muito tempo depois das intrigas com Trotsky (que já começam em 1917). Alguns como Richard Overy ressaltam que Stálin atingiria o “ápice” somente no pós-guerra, quer dizer, muito tempo depois das intrigas e anos após a morte de Trotsky.

Trotsky inclusive enfatizou a necessidade de ditadura e foi, de certa forma, um autoritário.  Trotsky foi um dos “técnicos” do golpe de estado e defendeu a realização do mesmo antes da maioria bolchevique nos sovietes. Trotsky liderou a repressão da rebelião contrarrevolucionária de Krondstat. Trotsky foi um dos organizadores do Exército Vermelho e foi duro em sua política disciplinar com o uso de fuzilamentos. Trotsky reorganizou o sistema ferroviário com estes mesmos métodos militares (destituiu líderes sindicais eleitos e estabeleceu lei marcial) e defendeu a militarização dos sindicatos, assim como a militarização do trabalho em geral (proposta rechaçada por Lenin e que teve péssima repercussão entre os trabalhadores). É claro que Lenin em relação a revolução mantivera suas próprias posições “autoritárias” e “antidemocráticas” de um marxista, porém Trotsky vai mais longe com suas propostas de militarização que o mesmo Lenin atacou nos congressos do Partido e em textos como “Sobre os Sindicatos, o momento atual e os erros de Trotsky”.

“Os próprios Burnham e Carter afirmam, de passagem, que o Estado do proletariado pode, em função das condições objetivas e subjetivas, ‘exprimir-se em um considerável número de formas governamentais variadas’. Acrescentamos para clarificar as coisas: ou através de uma luta livre de diversos partidos no seio dos soviets ou através da concentração do poder de fato nas mãos de um só indivíduo. A ditadura pessoal significa, evidentemente, o sintoma do perigo extremo para o regime. Mas, ao mesmo tempo, aparece, às vezes, como a única forma de salvar o regime. Em conseqüência, a natureza de classe do Estado define-se, não por suas formas políticas, mas sim por seu conteúdo social, quer dizer pelo caráter das formas de propriedade e das relações de produção que o Estado em questão protege e defende. A dominação da social-democracia no Estado e os sovietes (na Alemanha em 1918-1919) não tinha nada em comum com a ditadura do proletariado, na medida em que deixava intacta a propriedade burguesa. Em contrapartida, um regime que conserva propriedade expropriada e nacionalizada contra o imperialismo é, por isso, independentemente das formas políticas, a ditadura do proletariado.” (Trotsky, “Um Estado Não Operário e Não Burguês”, 25 de Novembro de 1937)

“A União Soviética não era socialista/não era ditadura do proletariado. Trotsky que era comunista era contra a URSS.”

Este é um erro crasso mas compreensível se considerarmos que as posições de Trotsky acerca da construção do socialismo em um só país e sobre a “realização” do socialismo (Revolução Traída) geram confusão. No entanto, Trotsky é categórico ao dizer que a União Soviética se trata de uma ditadura do proletariado, principalmente contra seus correlegionários que diziam o contrário. Quanto a questão econômica, enfatizava a economia estatal e planificada, assim como o grande desenvolvimento das forças produtivas, isto é, reconhecia a economia como uma economia socialista. Se isso entra em contradição com suas posições sobre o socialismo em um só país é outro problema. Diz o próprio:

“Um fígado atacado pela malária não corresponde a um tipo normal de fígado. Mas não deixa, por isso, de ser um fígado. A anatomia e a fisiologia não são suficientes para compreender a sua natureza. É preciso acrescentar a patologia. É evidentemente mais fácil dizer, diante de um fígado doente, “não gosto deste fígado” e voltar-lhe as costas. No entanto, um médico não pode dar-se a um luxo desses. (…) O caráter de classe do Estado define-se pela sua relação com as normas de propriedade dos meios de produção. (…)

A URSS enquanto Estado operário não responde à norma “tradicional”. Isso não significa ainda que não seja um Estado operário.” (Trotsky, “Um Estado Não Operário e Não Burguês”, 25 de Novembro de 1937)

“O camarada Craipeau quer nos convencer, uma vez mais, de que a burocracia soviética, como tal, é uma classe. (…) Admitamos por um momento que a burocracia seja uma classe no sentido que este termo tem na sociologia marxista. Neste caso, encontramo-nos perante uma nova forma de sociedade de classe, que não é idêntica nem à sociedade feudal, nem à sociedade capitalista, e que jamais tinha sido prevista pelos teóricos marxistas. (…)

Por que é que a sociedade capitalista se meteu, por si só, em um beco sem saída? Porque já não é capaz de desenvolver as forças produtivas, quer nos países avançados, quer nos atrasados. A cadeia do mundo imperialista foi rompida no seu elo mais frágil, a Rússia. E eis que nos damos conta de que, no lugar da sociedade burguesa foi estabelecida uma nova sociedade de classe. Craipeau ainda não lhe deu um nome, nem analisou suas leis internas. Mas isto não nos impede de constatar que esta nova sociedade é progressiva em relação ao capitalismo, Pois, sobre a base da propriedade nacionalizada, a nova “classe” possuidora assegurou um desenvolvimento das forças produtivas, sem igual na história do mundo. O marxismo nos ensina, (não é verdade?), que as forças produtivas são o fator fundamental do progresso histórico. Uma sociedade que não é capaz de assegurar o crescimento do potencial econômico, é ainda menos capaz de assegurar o bem-estar das massas trabalhadoras, seja qual for o modo de distribuição. O antagonismo entre feudalismo e capitalismo e o declinar do primeiro foram determinados pelo fato de que o último abria perspectivas novas e grandiosas para as forças produtivas estancadas. A mesma observação é aplicável à URSS. Seja qual for o modo de exploração que a caracterize, esta nova sociedade é, pelas suas próprias características, superior à sociedade capitalista. E nisto que reside o verdadeiro ponto de partida de uma análise marxista.” (Leon Trotsky, “Uma Vez Mais: A União Soviética e sua Defesa”, 4 de Novembro de 1937)

“Desejoso de obrigar-nos a não fazer nenhuma distinção entre uma sociedade que é absolutamente reacionária, pois freia e inclusive destrói as forças produtivas e uma sociedade que é relativamente progressiva, porque permitiu um grande salto adiante da economia, Craipeau quer nos impor a política de ‘neutralidade’ reacionária. Sim, camarada Craipeau, reacionária!

Em caso de guerra entre o Japão e a Alemanha de um lado, e a URSS do outro, o que estaria colocado em questão não seriam os problemas de igualdade de distribuição, da democracia proletária ou da justiça de Vychinski, mas sim o destino da propriedade nacionalizada e da economia planificada. A vitória dos Estados imperialistas não significaria somente a destruição da nova “classe” exploradora soviética, como também o das novas formas de produção, e, portanto a queda de toda a economia soviética ao nível de um capitalismo atrasado e semi-colonial. [Extremamente válido para estes “trotskistas” e ignorantes em geral que colocam a URSS no mesmo nível de qualquer outra potência imperialista ou até mesmo da Alemanha Nazi]” (IBID.)

“Utilizar a palavra ‘imperialismo’ para a política externa do Kremlin – sem esclarecer perfeitamente o que significa – equivale, simplesmente, a identificar a política da burocracia bonapartista com a política do capitalismo monopolista, baseados no fato de que tanto uma como a outra utilizam sua força militar para a expansão. Semelhante identificação, capaz unicamente de semear a confusão, é muito mais própria de democratas pequeno-burgueses do que de marxistas.” (Leon Trotsky, “Novamente e uma Vez Mais, Sobre a Natureza da URSS”, 18 de Outubro de 1939)

“O que significa dizer defesa “incondicional” da URSS? Quer dizer que não impomos nenhuma condição à burocracia. Quer dizer que, independentemente do motivo e das causas da guerra, defendemos as bases sociais da URSS, se esta for ameaçada pelo imperialismo.” (IBID.)

“Defendemos a Índia contra a Inglaterra, Porque é que então, nossa atitude em relação à União Soviética não pode ser distinta de nossa atitude em relação à Alemanha, apesar do fato de Stalin estar aliado a Hitler? Porque não podemos defender as formas sociais mais progressivas que são capazes de desenvolvimento contra as formas reacionárias que só são capazes de decomposição? Não só podemos, como devemos fazê-lo!” (Leon Trotsky, “Os Moralistas Pequeno-Burgueses e o Partido Proletário”, 23 de Abril de 1940)

“Victor Serge pôs a nu de passagem aquilo que teria provocado a derrocada do partido bolchevique: um centralismo excessivo, uma desconfiança relativamente à luta ideológica, uma ausência de espírito libertário. Mais confiança nas massas, mais liberdade! Tudo isto está fora do espaço e do tempo. Mas as massas não são de maneira nenhuma homogéneas! Há massas revolucionárias; há massas passivas, há massas reaccionárias. As mesmas massas são inspiradas por disposições e objectivos diferentes em diferentes períodos. É justamente por esta razão que é indispensável uma organização centralizada da vanguarda. Só um partido que exerça a autoridade que adquiriu é capaz de superar as flutuações próprias das massas. Recobrir as massas com os traços da santidade e reduzir o próprio programa a uma «democracia» amorfa, corresponderia a dissolver-nos na classe tal como ela é, a transformarmo-nos de vanguarda em guarda atrasada e, do mesmo modo, a renunciarmos às tarefas revolucionárias. Por outro lado, se a ditadura do proletariado significa algo é antes do mais que a vanguarda da classe se encontra armada com os recursos do Estado para repelir os perigos, inclusivamente os que emanam das próprias camadas atrasadas do proletariado. Tudo isto é elementar; tudo isto foi demonstrado pela experiência da Rússia e confirmado pela experiência da Espanha.

Mas todo o segredo está em que, ao pedir a liberdade para as «massas», na realidade Victor Serge está a pedir a liberdade para si e para os seus pares; quer dizer, pede para ser libertado de todos os controles, de toda e qualquer disciplina e, inclusivamente, se possível, de toda e qualquer crítica a seu respeito. As massas não são para aqui chamadas! Quando o nosso «democrata» corre da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, semeando a confusão e a dúvida, julga-se a encarnação de uma salutar liberdade de pensamento. Mas quando nós avaliamos dum ponto de vista marxista as vacilações dum intelectual pequeno-burguês desiludido, parece-lhe isto um ultrage à sua individualidade. Alia-se então a todos os confusionistas para partir em cruzada contra o nosso despotismo e o nosso sectarismo.

A democracia no interior de um partido não é um objectivo em si. Deve ser completada e ligada pelo centralismo. Para um marxista a questão foi sempre esta: democracia, para quê, para que programa?” (Leon Trotsky, “Moralistas e Sicofantas Contra o Marxismo”, 9 de Junho de 1939)

“Trotsky era contra os crimes de Stálin”

Os que afirmam isto são aqueles que justificam a propaganda anticomunista. Como já foi dito, Trotsky não pensava nesses termos e não justificava suas posições com base numa “objeção moral”. A Revolução Russa certamente não foi um chá, os bolcheviques combateram seus inimigos a ferro e fogo, rebeliões como as de Tambov e Krondstat foram duramente reprimidas. Trotsky viu de perto a guerra civil, assim como viu a dureza do comunismo de guerra, onde grupos armados de requisição iam buscar grãos entre os camponeses muitas vezes gerando conflito, momento análogo ao da coletivização da década de ’30 onde enfrentamentos desembocavam em fome e repressão.  É no mínimo irônico que esses “trotskistas” de hoje reproduzam as acusações de genocídio contra Stálin (números absurdos, como se num único ato, i.e., ação/decreto/ordem/programa, dezenas de milhões foram exterminados com a assinatura de Stálin).

Em textos como “Moral e Revolução” Trotsky ataca aqueles que suplantam o marxismo com um moralismo pequeno-burguês que se situa acima de necessidades históricas, ou em outras palavras, os que querem submeter a luta de classes ao seus valores morais, ao “imperativo categórico”. Em “Moralistas e Sicofantas contra o Marxismo” Trotsky defende o sistema de tomada de reféns da Guerra Civil e faz uma observação sobre “revolucionários” moralistas pequeno-burgueses como Victor Serge: eles tem uma excessiva preocupação com a opinião pública burguesa. Tal observação é muito válida para alguns “revolucionários” e esquerdistas, eles tremem frente acusações como de “ditadura”, como bons covardes fogem pelo caminho mais rápido: “eu não defendo isso”, “isso não é socialismo”, “Trotsky era contra isso”, etc… Trotsky também não era nenhum “guardião da liberdade”, diga-se de passagem – o que já deve estar claro com as explicações sobre sua posição marxista.

“Nos períodos de reação triunfante, vêem-se os senhores democratas, social-democratas, anarquistas e outros similares representantes da esquerda segregar moral em dose dupla, da mesma maneira que as pessoas transpiram mais quando estão com medo. Repetindo, à sua maneira, os dez mandamentos ou o sermão da montanha, estes moralistas dirigem-se menos à reação triunfante do que aos revolucionários perseguidos, cujos “excessos” e cujos princípios “amorais” “provocam” a reação e fornecem-lhe uma justificação moral.[Hoje em dia o equivalente consiste em concordar com tudo que diz a propaganda anticomunista sobre a União Soviética]” (Leon Trotsky, “Moral e Revolução” ou “Nossa Moral e a Deles”, 1936, “Eflúvio Moral”)

“A sua base política [do moralismo, do endossamento da difamação da URSS] reside na impotência e no desespero diante da ofensiva da reação. A base psicológica no desejo de superar o sentimento da própria inconsistência usando uma barba postiça de profeta. [Esses gênios da Internet completamente desligados da política que aparecem com “soluções milagrosas”, “novo socialismo”, “temos que parar com esses conflitos ideológicos”, etc..? A sua época, Trotsky se refere especialmente a homens como Burnham e Schattman que criavam um “terceiro campo”, “nem URSS nem Alemanha”, que consideram ultrajante apoiar a URSS]

O procedimento preferido pelo filisteu moralizante consiste em identificar a conduta da revolução com a da reação. Analogias formais garantem o sucesso desse procedimento. O czarismo e o bolchevismo tornam-se gémeos. Podem-se também descobrir gémeos no fascismo e no comunismo. Pode-se redigir uma lista das características comuns ao catolicismo – ou mais especialmente ao jesuitismo – e ao comunismo. Da mesma maneira, Hitler e Mussolini, por seu turno, valendo-se de um método perfeitamente análogo, demonstram que o liberalismo, a democracia e o bolchevismo não são senão manifestações diversas de um único e mesmo mal.

(…)

Estas identificações e semelhanças são caracterizadas essencialmente pela completa ignorância das bases materiais das diversas tendências – isto é, a sua natureza de classe – e, por conseguinte, do seu papel histórico objetivo. Em ver disso, as diversas tendências são avaliadas e classificadas de acordo com indícios exteriores e secundários, mais amiúde de acordo com a atitude em relação a este ou aquele princípio abstrato ao qual o classificador atribui, profissionalmente, um significado especial. Para o Papa, os mações, os darwinistas, os marxistas e os anarquistas são irmãos no sacrilégio, porque todos eles repudiam o dogma da imaculada concepção. Para Hitler, o liberalismo e o marxismo são gémeos, posto que ignoram ambos “o sangue e a honra”. Gémeos são, para o democrata, o racismo e o bolchevismo porque recusam inclinar-se perante o sufrágio universal. E assim por diante.

Sem dúvida as correntes assim agrupadas possuem vários elementos em comum. Mas o desenvolvimento da espécie humana não se esgota nem com o sufrágio universal, nem com o “sangue e a honra”, nem com o dogma do imaculada concepção – eis a realidade. O processo histórico é, sobretudo, luta de classes, e acontece que classes diversas valem-se, com objetivos diversos, de meios análogos. Nem poderia ser de outra maneira. Os exércitos beligerantes são sempre mais ou menos simétricos – se não houvesse nada de comum na sua maneira de combater, não poderiam sequer encontrar-se.” (IBID.)

“No fim do século passado formou-se na Rússia uma inteira escola “marxista” (Struve, Berdiaef, Bulgakov e outros) que pretendia completar a doutrina de Marx ajuntando-lhe um princípio moral autônomo, superior às classes. ;Seus adeptos começaram naturalmente com Kant e seu imperativo categórico. Que fim tiveram? Struve é hoje um ex-ministro do barão Wrangel(2) é um fiel filho da igreja. Bulgakav virou padre ortodoxo. Berdiaef interpreta o Apocalipse em várias línguas. Metamorfoses tão inesperadas não se explicam pela “alma eslava” – mesmo porque a alma de Struve era germânica – mas pela grandeza da luto social na Rússia.”(IBID., “Amoralismo Marxista e Verdades Eternas”)

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