A hacienda mexicana –   “feudal”, “capitalista”, “semi-capitalista”, “semi-feudal”, “pré-capitalista”? Como pensar na articulação de modos de produção diferentes? Tantas vezes o conhecimento é escravo da ingratidão as palavras; como bem sabiam os romanos, as palavras dificilmente são mais do que um espelho ruim da realidade. Basta ver as várias discussões inúteis que existem sobre a aplicação dos termos do espectro político (esquerda e direita), perguntas irrelevantes sobre “se fulano era *insira rótulo*” e o apego excessivo a certas palavras ou conceitos: “Mas não é uma ditadura? Ou é uma democracia?”

Alan Knight, historiador da Revolução Mexicana, buscou uma solução específica para esse caso confrontando diversas perspectivas com o dados, concluindo que a hacienda se inseria em relações de mercado pré-capitalistas no entanto se baseava em relações de produção não-capitalistas (no sentido marxista: feudais).

Cito:

“….a autoimolação não é essencial: o historiador não está obrigado aceitar nenhuma teoria geral ou apriorística. É evidente que o historiador deve demarcar suas hipóteses e emiti-las claramente, mas essa atividade é compatível com um certo grau de agnosticismo teórico e terminológico. A preocupação do historiador  se radica nas generalizações, hipóteses e modelos de menor nível que, com frequência, pode se analisar para obter resultados igualmente frutíferos desde distintas perspectivas teóricas. Em última instância, o que conta é seu caráter frutífero; quer dizer, seus rendimentos em termos de compreensão histórica.  Uma perspectiva teórica derivada, digamos, de Hegel ou Santo Agostinho pode resultar estéril, inclusive letal, no que se refere a compreensão histórica. Marx, Weber ou Gramsci oferecem muito mais e suas respectivas contribuições dependem da natureza do problema histórico específico. A tarefa do historiador não é nem validar e nem refutar  um corpo teórico (de toda maneira, não há um só trabalho de história empírica capaz disto), senão compreender wie es eigentlich gewesen em algum período histórico; assim se justifica certo grau de ecleticismo controlado – e não promíscuo – que inclusive resulta recomendável.” KNIGHT, Alan em “La Revolucion Mexicana”. Editora Fondo de Cultura Economica, México, 2010. pgs. 132-133

É relevante colocar a nota inserida pelo autor no fim desta fala (nota 54):

“A citação rankeana não implica uma crença na história livre de valores de Rank. No entanto, a aceitação de certo grau de subjetividade não necessariamente abandona a deriva o historiador em um mar de relativismo, onde todas as interpretações-teorias são igualmente válidas (e não válidas), tal como quase sugere E. H. Carr. Os graus de objetividade são possíveis, e os dados-critérios objetivos existem, e mediante estes de podem julgar distintas interpretações, vide Talcott Parsons, “Weber’s Methodology of Social Science”, em Max Weber, The Theory of Social and Economic Organization, Nova York, 1969, pgs. 9-10.”

Como deve ficar claro no fim texto, Knight não é um relativista. Neste caso, ocorre a felicidade de “ambos os lados estarem certos”, no entanto Knight é extremamente crítico em sua obra. O autor está constantemente questionando, debatendo e refutando outros autores, além de colocar diversas visões teóricas (como o marxismo e determinadas linhas acadêmicas) a prova. Na verdade, “The Mexican Revolution” se pretende uma espécie de veredicto final sobre tudo que havia sido produzido a respeito da Revolução Mexicana até então, com uma bibliografia realmente extensa e um autor muito crítico (e que, acrescento, não é nenhum tipo de “narrador positivista”).

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