Esse texto foi retirado de trechos de uma intervenção que fiz em uma discussão de fórum. Essas considerações são direcionadas principalmente para “socialistas” e esquerdistas em geral que acham que o modelo nórdico é, simplesmente, produto de uma social-democracia bem sucedida. Naturalmente, apesar de revisado, contém as características, flexibilidade e pequenas informalidades de um comentário. Posso atualizar e detalhar essas informações com o tempo, com estudos de bibliografia a respeito, mas creio que essas considerações sejam relevantes para se introduzir a discussão. De qualquer maneira, este não é um texto complexo ou polêmico, com suas informações fáceis de verificar.

SOBRE O MODELO NÓRDICO 

NORUEGA

Noruega contou com uma quantidade abundante de recursos naturais (petróleo e corníferas que se tivessem ficado com a Suécia seria realmente um acúmulo de riqueza incrível). E estamos falando de um país relativamente pequeno, de população pequena. Tem também um grande potencial hidrelétrico (sem problemas com energia) e peixe em abundância (correntes).

Noruega foi durante muito tempo o segundo maior exportador de petróleo mundial. Esse país não foi submetido por uma economia imperialista e pôde de fato explorar o seu próprio petróleo. Essa exploração foi feita principalmente por estatais. Teve um “boom do petróleo” onde cresceram várias indústrias que giram em torno desse produto, gerou empregos e multiplicou o capital. Essa exploração permitiu que o Estado sustentasse seus programas assim como criasse linhas de crédito para os cidadãos e mantivesse outros gastos sociais. Já no começo do século passado o governo já havia passado leis que impedia que estrangeiros controlassem as minas, as florestas e as quedas-d’água. Notem bem esses três setores – as minas geraram muito capital logo no começo do século, criando uma burguesia bem estável; as florestas, como disse lá em cima ao me referir as corníferas, também foram importantíssimas enquanto recurso; e por fim as quedas que, obviamente, fundamentam as hidrelétricas. Muita gente enriqueceu bastante depois da I Guerra (com transporte e pescaria) e houve um grande conflito social, o que trouxe a solução comum ao fascismo e a social-democracia: a “união” burguês-operário/sindicalista-Estado; gerou-se uma mentalidade de “bem estar social”(que aliás de certa forma já existia nos políticos noruegueses, um tanto “progressistas” em suas velhas leis de proteção do trabalho). O modelo escandinavo também bebeu um pouco da experiência soviética e do marxismo (no caso os social-democratas). Os já citados ricos da I Guerra se enfraqueceram com uma política monetária de desvalorização (o que deu espaço para o Estado).

O Estado norueguês também começou estruturando sua política de bem estar com uma taxação progressiva agressiva (uma das mais agressivas do mundo), que com o tempo foi se apaziguando, talvez porque de um lado o Estado conseguiu os fundos de que precisava e que de outro isso gera algumas consequências não muito saudáveis no capitalismo (não vale a pena poupar, etc). Atualmente contemplam um “futuro incerto” devido a dependência do petróleo e as indústrias norueguesas no geral não são competitivas (taxação, o trabalho custa caro, alto custo de vida, setores muito dependentes de crédito estatal, etc). Esse é um fato sempre muito importante para se lembrar quando um desses “capitalistas”(auto-declarado “defensor do capitalismo”, “liberal”, “libertário”) vir falar do “exemplo de capitalismo” que a Noruega, quando na verdade essa economia não tem as qualidades que eles prezam (competitividade; a situação da Noruega é o que os mais honestos deles chamariam de “estagnação”).

Os mais crítico dizem que o “Estado do bem estar social está em chamas” (na Noruega). A afirmação tem fundamentos razoáveis, mas desconfio das implicações ideológicas que ela contém.  Há uma visão milenarista, religiosa e apocalíptica que retrata as coisas da seguinte maneira: o Estado do bem estar social pode ter funcionado durante anos, mas agora ele está “ruindo”, logo ele é ontologicamente “mau”, esse é seu juízo final e nós precisamos de uma “Jerusalém eterna” que é a “solução final” de todos os problemas (Mises é o salvador).

A realidade é dinâmica, as coisas mudam, surgem novos problemas. Se hoje eles podem falar do “potencial da economia norueguesa”, se hoje um neoliberal pode privatizar toda aquela riqueza, é graças ao projeto construído pelo Estado norueguês no passado. Se eles querem usar todo esse “capital estagnado” para estimular a economia (e como de fato fez o Estado norueguês quando reduziu taxas, estimulou parte do setor privado, entre outras coisas), é bom lembrar que esse capital foi acumulado graças ao projeto estatista. Existe uma série de problemas que vem se apresentando nesses países já faz um tempo, e é bom lembrar que no resto da Europa o Estado do estar social ruiu nos anos ’80, com grandes dívidas públicas entre as principais razões e mostrando as limitações do “bem estar social” dentro do capitalismo (o que aconteceu é que esse modelo não conseguia mais atender a reprodução de capital – e a propósito, muito do que restou dele está sendo atacado agora pela mesma razão, em nome de “planos de austeridade” e etc).

SUÉCIA

De forma parecida com a Noruega, ela também cresceu graças a exportação em massa de madeira, minério de ferro e energia de hidrelétrica. A diferença é que a economia sueca é um tanto mais competitiva e com uma indústria mais diversificada.

A Segunda Guerra Mundial foi importantíssima para a prosperidade sueca. Primeiro eles fizeram muito dinheiro exportando ferro a máquina de guerra nazista. Depois eles fizeram mais dinheiro ainda com a reconstrução do pós-guerra. Eles exportaram (e exportam) ferro para a Europa inteira (inclusive para os noruegueses que ampliavam sua indústria petrolífera), mas foram fundamentais na reconstrução da Alemanha. Madeira e energia também entram nessa festa.

Os esquerdistas que acham que o “modelo sueco” é independente de qualquer reprodução imperialista, estão enganados. A Suécia é um dos principais beneficiários de um “modelo” que começou nos ’80  que é o de impor preços de banana as matérias primas do Terceiro Mundo nas grandes rodadas do comércio e depois lucrar muito revendendo produtos manufaturados de alta tecnologia feito com essas matérias primas. A Dino Nobel explora diretamente recursos minerais latino-americanos, ao passo que LM Ericsson, SKF (que ganha muito dinheiro no setor petroquimico brasileiro), produzem esses bens manufaturados de alta tecnologia… A Alfa Laval supre boa parte das nossas necessidades de bens de produção (primeira problema da dependência, a indústria pesada), assim como atua diretamente no Brasil (aliás, essas que eu citei tão cheios de fábrica pelos “confins do Terceiro Mundo”, perdidos em pequenos países africanos, no sudeste asiático…). Entre os gigantes monopolistas, a AGA é uma empresa privada que domina a distribuição de gás na Suécia, grande parte do norte da Europa e creio que uma parte do restante dela (seria interessante pesquisar se eles chegaram a fornecer gás para a Alemanha; ela também se beneficiou da privatização de gasodutos soviéticos nos Balcãs)… É uma verdadeira Gazprom sueca. Tem também a ASEA, que começou dominando a eletricidade na Suécia… e agora, depois de uma fusão com uma empresa suiça (a concentração de capital…) e com o nome de ABB continua sendo um dos pilares da economia sueca e é simplesmente um dos maiores conglomerados do mundo e, essa sim, eu diria que é um exemplo de “negócio imperialista”, de grande monopólio internacional. Veja só o mapa da extensão dos negócios desse monstro:

Área de atuação da ABB

Fonte Wikimedia

É um exemplo de empresa que usufrui de contratos no Terceiro Mundo por parte de Estados (e a chamada “burguesia burocrática”) que entregam um setor fundamental através de concessões e privatizações (vide a a Light aqui em São Paulo, que ficou com o butim e largou lixo, e agora temos a AES, também americana).  Ganha dinheiro com as necessidades energéticas de diversos povos; qualquer aumento no consumo de energia, seja individual ou industrial, é dinheiro no bolso, e muitas vezes usam estações construídas com dinheiro público (“muitas vezes” sempre, lembrem de quando nos anos 90 nossos neoliberais entregaram a infraestrutura que nós construímos dando crédito do BNDES para os compradores, zero investimento). Essa empresa é uma das que lucram milhões com a reconstrução do Iraque (o ápice da reprodução imperialista: a guerra pra movimentar a economia). Lembremos que a Suécia também é um importante parceiro da OTAN. E, sendo essa observação relevante para esquerdistas entusiastas, as empresas que citei são de setores antiguíssimos da burguesia sueca, praticamente da primeira geração industrial, tudo do fim do século XIX. E aí estão, como “oligarcas”, “barões da indústria”.

Enfim, o que o Estado sueco faz é cobrar impostos desses grupos e de fortunas individuais, criando assim suas reservas para sustentar o wellfare state, dando crédito estudantil, crédito moradia, pagando escola privada para o estudante, dentre outros benefícios. Tem um bom leque de direitos trabalhistas, também (claro, as empresas contratam os especialistas na Suécia e o trabalho pesado pode ser feito em países “mais baratos”). Mas é, sim, “o capital do terceiro mundo”(“excesso de mais valia”, externa, fora a interna, i.e. imigrantes). Aqui também entra a cooperação sindicato-corporação-Estado.

 

 

 

 

 

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