“Todos os conceitos políticos se originam de uma contraposição concreta, de política externa ou interna, e são, sem essas contraposições, apenas abstrações equívocas, sem sentido. Não é aceitável, portanto, abstrair da situação concreta, isto é, do antagonismo concreto. A consideração teórica das coisas políticas tão pouco pode desconsiderar esse ponto. Todo conceito político é um conceito polêmico. Ele tem em vista um inimigo político e está determinado em seu nível espiritual, sua força intelectual e seu significado histórico pela força de seu inimigo. Palavras como soberania, liberdade, estado de direito e democracia adquirem seu sentido preciso através de uma antítese concreta. Em uma discussão científica, ao menos isso deveria ser levado em conta.”

Carl Schmitt, citado por Bernardo Ferreira em OS INTELECTUAIS DO ANTILIBERALISMO, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2010, pg. 74

Carl Schmitt foi um jurista alemão antiliberal – que fundamentou o estado de exceção da República de Weimar e depois se associaria ao regime nazista, apesar de cair parcialmente em desgraça no ano de 1937 – com vasta obra na filosofia política. Seu pensamento tem como base o par amigo-inimigo, pegando a contramão da ideia de harmonia liberal (“não existem inimigos, somente competidores”). Afinal seria possível imaginar as ideias da Revolução Francesa sem o Antigo o Regime? Não só as ideias, mas mal podemos conceber instituições sem levar em conta os antagonismos concretos. Olhem para Atenas, não haveria solo fértil para triunfar um Sólon sem os rígidos conflitos que que abatiam a cidade, com oligarcas e democratas lutando pela hegemonia.

O pensamento marxista também enfatiza que ideias e instituições nascem de necessidades históricas, das condições objetivas e mais especificamente de contradições, porém a diferença é que Schmitt se concentra especialmente no antagonismo entre grupos humanos em geral, divergentes não só quanto a interesses mas devido a sua existência em si, em função da identidade coletiva dos grupos em confronto. É claro que o marxismo também atenta para os antagonismos entre grupos humanos, os de classe principalmente, porém o paradigma schmittiano possui uma dimensão mais existencial e puramente política (na visão marxista os antagonismos humanos estão subordinados as contradições do processo econômico, como aquela entre forças produtivas e modo de produção).

“O outro se torna meu inimigo quando aquilo que ele é representa para mim a negação daquilo que eu sou, daí a possibilidade de combatê-lo para a preservação de minha forma de existência coletiva.” (Bernardo Ferreira, ibid. pg. 87)

Para além dos antagonismos de classe e até mesmo das discordâncias ideológicas interpartidárias, o conflito entre identidades étnicas radicalmente diferentes ou a tensão entre civilizações constituem exemplos mais substanciais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *